sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Letargia outonal.


O Outono na natureza é lindo. Ainda tenho os olhos cheios das cores douradas dos castanheiros que bordejam os estreitos percursos de camponeses e pastores do vale de Loriga. A romper por entre o verde fechado da vegetação, um sol ténue quase aquece os corpos competindo com o aquecimento provocado pelo esforço das subidas - e descidas - acentuadas daquelas paragens.

Foi apenas há uns dias. 

Não chegou para cortar a tristeza do fim das tardes de Outono na cidade. Ainda que recorra à varanda para inspirar os restos do ar morno do dia. Há sempre um filtro que reduz a luz, um cinza claro no ar, uma falta de definição.

Quando o dia é em casa, piora. Mesmo num dia sem nuvens, às cinco e pouco é preciso acender a luz. Lá fora está tudo esbatido, o sol que já se foi, a noite que ainda não veio. Vai aumentar a conta da electricidade. Tento aguentar ao máximo sem candeeiros acesos mas não dá. Fica frio. E tenho trabalho. 

Resisto à melancolia que se demora. Oxalá venha já a noite, a hora do jantar, o serão e a cama para chegar rápido a outra manhã, a outro recomeço. Apesar de tudo, poderá ter algum sol.

Vou fazendo o trabalho, assegurando o principal. Sem falhar o essencial. Penso em como nunca me baldei. E se fosse hoje? Estou quase a acabar "Flores" do Afonso Cruz. Já o podia ter acabado mas faço render com medo do vazio que se vai seguir.  

Volto à questão. Porque não me deito no sofá a ler? Ninguém precisa de saber. 
A não ser o meu sentido do dever. 
Que raio! Incutido desde tão cedo. Nunca páro na execução de alguma coisa. Há sempre uma tarefa, uma missão.  

Em miúda, nunca dormi até tarde porque havia sempre compromissos, os escuteiros ou as amigas, ou brincar, ou estudar. Depois, os anos da política, depois a faculdade e o casamento. Com filhos já não dá. E depois trabalho e trabalho. Agora, há que andar para não engordar mais. Agora há que andar porque gosto. 

O mundo não está para sofás. Tanto sofrimento e perdição. Nada me faz desacreditar na possibilidade de conseguir melhorá-lo. Não dá para não intervir. Nunca me convenceram que a força não se faz da união de muitos. 

Quando a tristeza do escuro cai, penso como seria se estivesse a caminhar, esgotada e gelada, pés na lama, contra a morte e o fim, com fome, sem chá de roibos para acalmar o estômago, nem casa de banho para ajudar, nem água por causa das pedras nos rins, sem abrigo nem futuro. E calo-me.



O mundo não está para sofás nem longe nem por aqui. 

Respondo a um inquérito online. Se sou feliz ou infeliz, onde estou de 1 a 10? Clico no 8. Mas hesito. Devia ser 6 ou 7... Penso no sofrimento à minha volta. Não só no distante mas também no próximo, dos nossos, dos que amo e fazem parte da minha vida. 
É possível o nosso eu ser feliz apesar do mundo. Sim, parece que sim. 

Já é noite cerrada. Felizmente tenho que sair. No aeroporto, esta letargia incómoda passa-me. Tanto movimento. Tantas luzes. Tanta gente. Tanta mistura. Nada de melancolias. Uma animação muito mais próxima da agitação política destes tempos.

O meu amor regressou bem. O carinho dum beijo e dum abraço acalmam estes males.
Afinal, sou tonta por ousar a tristeza quando sou mais que privilegiada. 

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