quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Saudades sempre.



Já passaram 17 anos sobre a sua morte, incrível! 

Esta foto, que certamente já partilhei outras vezes, continua a ser a minha preferida com o meu pai. 

Foi no Verão de 94, já estava doente, paralisado do lado esquerdo pelo avc, triste. 


Mas ainda conseguimos sair, ir jantar fora a um dos seus restaurantes preferidos, com dificuldade no processo, por ser tão alto, as pernas quase não cabiam no carro, nas manobras de passagem para a cadeira de rodas e vice versa, lembro-me tão bem. 

Queríamos fazer tudo como dantes mas, a jantar, foi quando ele, e nós, percebemos que já não conseguia estar bem à mesa, comer sem ajuda, o vinho de que tanto gostava não apetecia, o tempo demorava a passar, impaciente para voltar para o seu canto. 

Foi num fim de dia quente de Julho e lembro-me deste abraço, do seu cheiro e da dor triste que as constatações acima tinham provocado.


Ainda hoje, tantos anos depois, não consigo recordar este momento sem emoção e um enorme aperto... e saudades, sempre imensas saudades!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O incómodo dos velhos.




Vinha agora no carro a ouvir as notícias das 14h e a notícia atingiu-me em cheio. 

Afinal, o problema da falta de camas e do caos nos hospitais é todo causado pela chatice dos velhos. 

Estão a tentar passá-los rapidamente para lares de apoio aos hospitais mas não estão a conseguir despachá-los. Porque o governo fechou quase todos estes estabelecimentos na sofreguidão da redução cega de custos.

Esta conversa mete nojo. 


Tinha acabado de deixar a minha mãe e a sua amiga Lurdes na Alexandre Herculano, para uma visita ao médico. Ambas saudáveis, nos seus 79 e 88 anos, respectivamente. Ambas a viverem nas suas casas com o apoio e carinho dos filhos. Rimos de qualquer coisa banal no caminho. Rimos dos tutoriais em que participaram para o Canal Q e como deviam voltar a repetir a experiência.


A minha mãe proibiu-me de ficar no médico e entrar com ela na consulta. Porque a seguir vão beber um chá, fazer um programa.

Ontem partilhei aqui um texto delicioso do blog do Guilherme Duarte, uma sátira às urgências que poderia parecer um exagero, qual Charlie Hebdo tuga.


Mas não é. Os factos provam cada vez mais o exercício de uma política de extermínio dos velhos. Que só atrapalham o sistema. Na saúde, na segurança social, nas passadeiras, nas casas.


Eles, os velhos, sentem-no na pele, entre a tristeza de se sentirem um fardo e a superior indiferença do desprezo por gente que um dia destes também será velha...

domingo, 18 de janeiro de 2015

Londres.


Há uma semana atrás estava em Londres quando tudo acontecia em Paris. 

Era estranho, logo naquele fim-de-semana estar out, fora dos acontecimentos ou do conhecimento deles.

Em Paris, mais de três milhões de pessoas, manifestavam-se contra o terrorismo em prol da liberdade de expressão. Eu passeava por Kings Road, numa espécie de despedida dum tempo que não vai voltar.

Apesar da razão da minha ida ser profundamente triste, como é a perda de um grande amigo, esse facto não me tirou o prazer que sinto naquela cidade.

Talvez este meu amor por Londres tenha precisamente a ver com a vivência que fui tendo ao longo dos anos. Graças a este amigo, e a outras pessoas que lá tinha, conheci a maneira de viver da classe média alta londrina, lugares, restaurantes, sofisticação, exposições, cultura, numa mistura fascinante que tem a ver com os meus gostos e que consolidaram a minha preferência.

Gosto. Gosto mesmo. Mesmo muito... mas haverá quem não goste?

Era isso que pensava no sábado passado enquanto tomava o pequeno-almoço e observava a vida à minha volta, no Murriel’s Kitchen, South Kensigthon, em frente a Old Brompton Road.

Esqueci-me do adaptador de corrente e fiquei sem bateria no smartphone, o que aumentou a minha sensação de estar desligada do mundo e dos acontecimentos.

Enquanto bebia um café expresso (como o café está na moda por lá, beber bom café deixou de ser problema) e comia umas torradas, tirava notas no meu caderninho, recuperando um gosto antigo. 

E se voltássemos atrás? Se voltássemos a escrever sem a existência de qualquer device por perto? Se ficássemos horas sem espreitar as redes e as últimas notícias?

O céu estava azul e o dia pouco frio apesar do vento. 

Saí dali e subi a Exhibition Road, entre os museus de História Natural e da Ciência e o Albert & Victoria, até Hyde Park. Um caminho conhecido e reconhecido. Ainda nem eram 11h.

Comprei o The Guardian, pesada a edição de sábado, mais o adaptador, e fui até casa carregar o telefone. Comecei a ver os muitos suplementos (que só acabei de ler ontem) enquanto na televisão se repetiam as notícias em torno do Charlie Hebdo e da perseguição aos autores dos crimes.

O almoço foi uma homenagem ao Zé. Um almoço com a mulher e amigos. De partilha de memórias, recordando coisas só suas e que faziam dele um gentlemen. Acho que falámos sempre no presente. E bebemos vinho, claro. Nem podia ser doutra maneira.

Quando acabámos, escurecia mas o céu estava límpido como só deve numa tarde de sábado... e refrescava.

Fui até à Tate Modern. Vou sempre. Gosto daquele espaço. Gosto do caminho junto ao rio. Gosto de atravessar a ponte pedonal até St. Paul, ver The Shard e a Tower Bridge não muito longe.

Gosto de regressar à beira-rio, até Westminster, com o vento a gelar o corpo, e sentir que este é um passeio familiar.

No domingo de manhã fui a dois sítios que não visitava há muitos anos, ao British Museum e a Convent Garden.

Caminhar por Londres, sozinha com os meus pensamentos, sabendo que o Zé partiu mas está ali, nas muitas recordações daquela cidade, tranquilizou-me.

Foi difícil deixar a casa dele, aquele conforto feito dos seus livros, dos seus posters, do seu cinzeiro, da sua mesa, da sua cadeira...

A angústia imensa que me tinha envolvido por não ter chegado a tempo de o abraçar, de agarrar a sua mão, de falarmos ainda, a angústia por não ter uma despedida física e que me levou a ir à mesma, apaziguou-se com esta visita. 

A turbulência no mundo continuou, feroz, mas eu regressei com vontade de ficar sossegada no meu canto, aninhada nestas memórias.