sábado, 14 de outubro de 2017

Ler Devagar e Comer à Algarvia.

Finalmente um sábado sem programa.
Resolvi ir tomar um café à Ler Devagar na Lx Factory, juntando dois prazeres num só: fazer exercício, caminhando (são cerca de 6km ir e vir a pé) e dar uma volta pela livraria e espaço Lx. Assim fiz.

Saí quase ao meio-dia, o tempo morno e quente. O cabelo num oito e, ainda nem tinha chegado ao Palácio de Belém, já me caiam pingos de suor da testa.

Na zona frente ao Jerónimos e pastéis, havia ainda mais gente que nos outros dias. Olho sempre com alguma incredulidade as filas ao sol, algo para mim impossível.

Por enfim, lá cheguei à Lx Factory pela Rua da Junqueira, lixando os pulmões com a fumarada dos carros e autocarros (para quando os eléctricos?)

Nunca sei se gosto ou não da LX Factory. Tenho sempre a mesma sensação: acho piada ao tipo de lojas, restaurantes e frequentadores mas nunca consigo sair de lá satisfeita. Foi o caso.

Na Ler Devagar, bebi um café e uma água, só tinham tostas e agora não como pão fora do pequeno-almoço. 

A livraria é linda mas funciona como monumento nacional, turistas a entrar e a fotografar, cabeças viradas para cima, aparvalhados. Não queria gastar dinheiro, dei uma volta rápida pelos livros da entrada, muitos tenho,quase caí na tentação de comprar um ou outro mas pensei na lista de espera gigante que não sei se algum dia o deixará de ser.
Saí. Percorri rapidamente as ruas e voltei a sair decidida a comprar qualquer coisa para comer no caminho. 

Arrepiou-me ver passar alguns turistas de bicicleta, descontraídos no meio dos carros e do empedrado e carris da rua mas talvez tenham sobrevivido até ao destino.
Perto do Egas Moniz, pensei comprar umas empadas no S. Bernardo mas havia gente demais e as ditas cujas desaparecidas. 

Não dá, faço uma salada em casa, meia-hora e estou lá.
Oitocentos metros à frente, reparo num espaço pequeno, a Marafada Mercearia. Entro sem perceber que dava para almoçar. 

Foi uma felicidade este encontro. Passo ali tantas vezes a pé, quase sempre à noite, não me tinha apercebido que se trata dum sítio muito simpático, restaurantezinho e mercearia de algarvias com sotaque :) De Olhão. Foi amor à primeira vista!

Pedi uma salada Desalvorada mas havia a Marafada e a Almariada e, só soube depois, ovos com tomate que espero ir lá comer para a semana. Que maravilha de salada! Bem sentada, abrigada do calor, a comer e a descobrir os produtos nas prateleiras. Atrás têm um pátio ao ar livre muito giro. 

Claro que não resisti a um morgadinho para acompanhar outro café. E a trazer um cesto e mais uns temperos. Tudo a preços muito acessíveis. 

Perguntei se tinham turistas, só lá estavam mais duas pessoas. Que não. Que naquele bocadinho passa pouca gente, que estão a contar com a abertura da nova passagem da edp (maat). 

Porque não pôr uma cadeira e uma mesa do lado de fora à porta e um quadro a dizer que há petiscos algarvios? 

Voltei a casa com uma sensação de bem-estar. Aquele sítio salvou-me do desencanto da Lx Factory onde sinto sempre um falso velho.

Ando tantas vezes arredada da minha terra. Gostei que tivessem produtos verdadeiramente algarvios e não aldrabados. Têm alfarrobas!

No próximo sábado vou lá comer os ovos com tomate.


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Sexta-feira 13

Sexta-feira 13. Tenho uma amiga que diz que dá sorte e não azar. Ela lá sabe, é uma optimista, mas a verdade é que, até agora, o dia não correu mal. 

Fui caminhar ao fim da tarde. Enquanto ando, lembro-me de assuntos que gostava de partilhar, construo frases para textos que idealizo escrever um dia, observo a realidade à volta, relaxo.

Com a luz a esmorecer, o sol ainda quente bate-me nas costas. Transpiro na testa, claro. Lá se vai a lisura do meu cabelo conseguida com detalhe e secador esta manhã. Suor e humidade são a conjugação perfeita para ficar com o cabelo eriçado, se fosse só ondulado. Uma luta de sempre, perdida.

Há imensa gente dum lado para o outro, novos e velhos e médios. Oiço sobretudo espanhol e brasileiro mas também português. Ainda o ano passado atravessar a ponte pedonal junto à Torre de Belém, num dia de semana às seis da tarde, era um acto isolado que nem o das finanças. Actualmente, é preciso abrandar o passo para não tropeçar em ninguém.

No passeio à beira Tejo, junto ao padrão, até ao maat, gente e gente, em terra e no rio. Cada vez há mais barcos de todo o tipo. Bicicletas, trotinetes, coisas cujo nome ignoro, grupos. 

Voyez-vous ce palais rose là-bas? C'est le palais présidentiel, explica um sujeito para um grupo a olhar para o dito cujo, ou para o miserável espaço de pedras soltas daquilo que já foi uma calçada. A escassos metros, a rua está, desde há muito, ocupada por auto-caravanas, quase sempre de matrícula francesa ou espanhola. Um casal entardote bebe um copo de vinho junto à sua roulote, mesmo ao lado do trânsito e do barulho da avenida da Índia, instalados em duas cadeiras de praia.

Penso na diversidade do mundo, nas diferenças, na beira-rio que antes era só nossa. Gosto deste movimento na cidade. Em semanas, uma improvisada esplanada junto à estação fluvial de Belém cresceu. Hoje estava cheia de jovens castelhanos, ou seriam catalães?

Volto a pensar em como o mundo podia ser fantástico para todos. Será que aqui no nosso canto conseguiremos safar-nos dos conflitos anunciados por todo o mundo? 

Quando viro para regressar a casa já se sente fresco, uma neblina que cai sobre o rio, nada de nuvens que tragam chuva. 

Penso que gosto das notícias que ouvi sobre o orçamento de estado para 2018, será que é mesmo verdade que vão reduzir-se substancialmente os IVA e IRS para quem factura apenas 10 ou 15 mil euros por ano? Valores nem de gorjeta para os ex-donos disto tudo... 

Está quase a fazer quatro anos que saí da empresa, como o tempo passa! 

Que anos tão maus foram esses, marcados pela mesquinhez dum governo cujo primeiro-ministro e adjunta das finanças sentiam um especial prazer em humilhar e mal tratar quem estava desempregado, ou era velho ou simplesmente pobre. Sem necessidade como se vê pelo contraditório do actual governo.

Não branqueiem agora a acção devastadora para os portugueses de Passos Coelho e "sus muchachos"... Não quero esquecer nunca o mal que fizeram.

Atravesso o CCB com muito pouca luz. Ao passar numa montra quase não me reconheço com o cabelo curto. É quando me vem à memória "a vida não pára, a vida não pára"  cantado pela Lia Gama, no Fado do Kilas:

"E na roda do destino
nunca se sabe o que se nos depara
e os que ainda andam na mó de cima
têm que saber que a roda não pára
e fatalmente o fim se aproxima
a vida não pára"

Escola Primária da Sé.



Esta foto veio ter comigo graças a uma ex-colega de Faro a quem muito agradeço.

Consegui reconhecer-me. Tal como à minha professora, Rosa Vieira, que continua igual passados 50 anos (ui, já?). Tal como à outra professora, a de óculos, Maria de Lurdes Reis, que foi professora da minha irmã. 

Tudo era diferente dos dias de hoje. A minha memória da escola primária não é de felicidade. 

Apesar de ser filha de uma das professoras, não deixava de apanhar réguadas por não ser sossegada, digamos assim. Acho que era boa aluna, com sofrimento na aritmética, sobretudo nos malditos problemas dos tanques que enchiam e cálculos de velocidades de comboios que até hoje nunca percebi para que serviam.

Parte das minhas colegas eram muito pobres, filhas de pescadores (a escola era a da freguesia da Sé, na zona antiga de Faro) e operários fabris, outras eram do chamado "asilo", presumo que um lar de miúdas órfãs. 


Lembro-me das batas brancas, do recreio, dos puxões de orelhas e do quente nas mãos provocado pelas réguadas, do tormento para decorar a tabuada, do medo do director que aparecia às vezes (o único homem no universo de mulheres, alunas e professoras), dos piolhos que de vez em quando apanhava e do sinistro exame da 4ª classe. 

E do vestido que usei no dia do exame, o calor desse dia e a dobra do papel, a dificuldade em fazer uma letra decente. 

Acho que a minha memória feliz só começa depois, no ciclo.
Caramba, sofria-se! Portugal era um país pobre e cinzento onde a liberdade e a alegria não cabiam.