sábado, 25 de abril de 2015

Viva o 25 de Abril! Viva a Liberdade!


Mais do que nunca, esta data traz à memória a felicidade colectiva da esperança numa vida melhor, o gosto da liberdade e a imensa oportunidade da democracia que este dia trouxe. 

Tenho no meu quarto um poster com o quadro de Helena Vieira da Silva, "A poesia está na rua". 
Bem de frente para a cama, deixo-me dormir com esta imagem que representa a felicidade da liberdade. Para recordar, nos momentos mais negros, que é sempre possível lutar. 

Como canta Zeca Afonso, "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não".

Talvez, mais do que nunca, passados quarenta e um anos sobre o dia 25 de Abril de 1974, é necessário lembrar e dizer aos mais novos, que nasceram depois, como era o dia-a-dia antes.

Quem o viveu, saboreou a tristeza da ditadura, a opressão individual e colectiva, a prepotência, o pensamento único, a pobreza do povo, a desigualdade, a estratificação social, a proibição de livros e música, a proibição!

Quem o viveu, não pode deixar de sentir, hoje, um imenso retrocesso. 
Parece ser possível voltar à indignidade desses tempos.  

Está nas nossas mãos impedi-lo! Está nas nossas mãos dizer não!
Viva o 25 de Abril! Viva a liberdade! 




sexta-feira, 10 de abril de 2015

Meritocracia só para mulheres?


Muitas vezes ouvi a resposta “se tiver o mesmo mérito” quando questionei gestores de empresas sobre o facto de apenas os homens "subirem" e acederem a lugares de topo.
Nada me deixa mais indignada pois é uma falácia.
Provem o que provem, tenham desempenho muito acima da maioria dos homens, na hora da verdade, as mulheres não passam das chefias intermédias.
Lembro sempre o que uma colega me disse, há mais de vinte anos, quando eu, ainda jovem, não reflectia seriamente sobre o tema: só haverá igualdade quando muitas mulheres medíocres estiverem nas administrações, como acontece com os homens.
Durante muito tempo pensei nisto como sendo um exagero. Mas, à medida que fui evoluindo na minha carreira profissional, percebi que é absolutamente verdade.
A prática da chamada meritocracia como método que, supostamente, igualiza as oportunidades de todos numa organização, promovendo as pessoas com base nas suas capacidades e no seu desempenho, e não pela posição social, género ou grupo de influência, foi uma tendência na gestão nas últimas décadas.
Aos poucos, tornou-se cada vez mais um palavrão, apenas usado nas ferramentas de avaliação de desempenho, sem consequências.
No caso da mulher, a meritocracia tem sido sobretudo um pretexto para evitar a sua promoção para os mais altos cargos, tal como para rejeitar a introdução de quotas que obriguem a criar igualdade entre homens e mulheres nas organizações.
De repente, passados todos estes anos, que pareciam de ascensão no caminho para a paridade, os últimos números mostram um imenso retrocesso.
Em Portugal, serão precisos setenta anos para se chegar à igualdade de salários entre homens e mulheres. 70 anos! Quase mais um século!
Parece que actualmente, não se vêem mulheres convidadas para falar em conferências, seminários, debates ou eventos de negócio, de topo. E quantas comentadoras de economia aparecem nos canais de informação? As poucas que existem são excepções. Que me lembre, são quase sempre jornalistas, como é o caso de Helena Garrido, directora do Jornal de Negócios.
A realidade parece estar pior para todos os que não são alinhados, que não pertencem a nenhum grupo, ou lobby, que são independentes, que só vivem do seu trabalho, do seu percurso e do seu desempenho.Tudo piora quando, neste grupo, se é mulher.
A actual situação das empresas e da sociedade empurra cada vez mais pessoas para outros modelos de trabalho. Como trabalhar de modo autónomo, criando o seu próprio negócio, como freelance.
Por cá não existem números mas, nos Estados Unidos, sim, relativos a 2014. Estes mostram que há mais mulheres (53%) do que homens a trabalhar e a ter sucesso como freelance. Muito interessante.
Como se escreve no artigo "Why are more women than men freelancing?", de Sara Horowitz para a Fast Company,  a maioria das mulheres chega à conclusão que a estrutura de trabalho tradicional simplesmente não lhes interessa, com as suas mais de 40 horas semanais, os clubinhos, as disparidades na remuneração e nas oportunidades.
Por isso, começam a abandonar os modelos tradicionais e a procurar novas formas de se afirmarem no mundo do trabalho, montando os seus próprios negócios. Tirando todo o partido das tecnologias disponíveis, podem gerir a sua agenda, do modo mais conveniente para conciliar trabalho, casa e família, e concentrar-se no trabalho que consideram gratificante, determinando a sua própria remuneração. Segundo este artigo, estas mulheres estão a viver o futuro agora.
Ao ler isto, senti que também em Portugal esta é a tendência. Talvez por ser a minha opção e a de muitas outras mulheres que conheço. 
Esta é também uma maneira de dar a volta a um sistema que não reconhece o valor das mulheres no trabalho. E de à falsa meritocracia, só para mulheres, dizer não.

sábado, 4 de abril de 2015

Trilhos urbanos.

Sexta-feira santa. 

O bom num feriado à sexta-feira é que acordamos com aquela sensação de férias. O tempo morno aumenta a noção de lazer. Abrir a janela e não estar nem vento nem frio nem calor. 


Quando era miúda, e em parte da adolescência, estes três dias eram tramados por causa da morte de Cristo. 


Na altura, as três da tarde da sexta-feira santa eram um momento de temor. 

Fazia-se silêncio lá em casa. A minha mãe e avó rezavam ou recolhiam-se com ar grave. Era supostamente a hora em que Jesus Cristo morreu na cruz. 

Para mim, tudo estava associado ao roxo e, por sua vez, à morte e ao medo. Era como se uma nuvem muito escura passasse por ali, ameaçadora. Julgo que era apenas o meu medo do veludo roxo que o Senhor levava na procissão dos passos, as lágrimas de sangue, a coroa espetada na carne, os olhos de dor. 

Para este estado de alma, muito contribuía o facto de esta ser uma época em que só se podia comer peixe o que, para mim, nessa idade, era um grande tormento. Peixe, roxo, morte, medo.

A religião a dominar pelo medo grande, pelos medos pequenos.

No sábado, respirava-se. Jesus morto e sepultado já não ameaçava ninguém. Podia-se brincar sem problemas. 


No domingo, ressuscitava e havia almoço festivo, amêndoas, folar de canela com ovo, feito pela tia Zézinha, tão bom. Nunca mais comi igual.


Não me lembro de alguma vez ter sido muito convicta com a cena da ressurreição. Nunca percebi como Jesus acordava dois dias depois, todo fresquinho, vestes lavadas e brancas e ascendia ao céu. Que pai (Deus) tão estranho, lembro-me de pensar.


Depois, perdi a fé, deixei de praticar e estes dias, à conta da religião dos outros, foram durante muitos e muitos anos, de férias na praia, no Algarve, de sol e mar, de primos, de intervalo. Essenciais para aguentar até ao Verão.


Hoje, continuo descrente, talvez muito mais. Por isso, estes dias são de lazer e fazer.


De manhã, peguei na bicicleta e saí para uma volta pequena. Pensei ir até ao Saldanha e voltar para trás mas acabei por ir andando, descobrindo isto e aquilo. Um dia destes dou-me mal por tanto olhar à volta...

Apesar do tempo nublado, a vista do Parque Eduardo VII é sempre magnífica. O Jardim Amália Rodrigues estava cheio de gente. Um casal italiano pediu-me para lhes tirar uma foto.

Tinha realmente saudades de pedalar, levemente. Para além de ver a cidade, pedalar é muito bom para pensar.


Depois do dia de ontem, em que morreu o Manoel de Oliveira, aos 106 anos, e o economista José Silva Lopes, aos 82, duas personalidades marcantes para o nosso país, cada um na sua área, pensei em como viver mais de cem anos é uma excepção que confirma a regra. 

A longevidade de Oliveira sempre me lembrou Saramago quando, no seu "As Intermitências da Morte", se pára de morrer. Não estamos preparados para tal acontecimento. Gostaríamos de não morrer? 

Na história de Saramago, foi o caos quando as pessoas deixaram de morrer. 
Toda a sociedade, a vários níveis, está organizada para o fim. Deixar de existir esse ponto final seria muito complicado, como se percebe no livro, um dos meus preferidos.

Na febre dos comentários à morte de Manoel de Oliveira, algumas pessoas disseram que não imaginavam a morte do realizador. Como não?


Fui pedalando e pensando nestas coisas e nos acontecimentos que marcam os nossos dias. 


Ontem, morreram 148 jovens numa universidade no Quénia, indiscriminadamente atingidos a tiro por um grupo islamita. Tantos como as pessoas mortas no avião feito despenhar nos Alpes por um louco suicida.


Ontem, o mundo conseguiu um grande feito para a paz, com a assinatura do acordo sobre o programa nuclear do Irão, prevenindo o uso de armas nucleares. Assinado entre os Estados Unidos e o Irão, algo improvável. Deve-se e Obama, que resiste à pressão de Israel.


Na luta entre o mal e o bem, o homem morto na cruz há dois mil anos, pela salvação dos homens, não parece ter alcançado esse objectivo mas antes contribuído para o seu contrário.

Voltei para casa por caminhos novos, trilhos urbanos.