terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Desempregado, não desocupado.

Há dias, o meu filho ligou-me de manhã a perguntar se nessa tarde podia ir para casa dele por causa da entrega duma encomenda. Quando lhe disse que tinha a agenda cheia de compromissos que não podia mudar, respondeu-me “Mas não estás desempregada?!”

Estar sem emprego não é estar sem ocupação. Ou sem trabalho.

Faz 3 meses que deixei a empresa. Embora o contrato só acabasse no fim de Janeiro, tive dispensa de presença. Assim, no dia seguinte, fiquei em casa. Para ser franca, não me lembro especificamente desse dia. Provavelmente, estava muito cansada e vagueei pela manhã.

Após 29 anos a trabalhar sempre, talvez com uma média diária de 10h nos últimos anos, parar é muito estranho. A reacção é parecida com a primeira semana das férias de Verão. Fica uma espécie de vazio.

Quando fiquei nesta situação, não quis parar. Consegui apenas desacelerar, criando um ritmo determinado por mim. Mas não fiquei uma única manhã na cama. O que não quer dizer que não tenha passado a levantar-me uma hora mais tarde ou a tomar o pequeno-almoço mais demoradamente.

Não tenho feitio para me entregar à contemplação. Uma das primeiras coisas que fiz foi um plano de acção. Devia escrever plano de trabalho mas pode ficar de acção.

Numa folha de papel tamanho A1 comecei a escrever e a pintar com cores diferentes tudo o que precisava fazer em Dezembro e Janeiro. Também criei um horário diário, com períodos de lazer e trabalho, distribuídos pelo dia, com metas semanais.
No centro da folha coloquei como objectivo “Fechar o ciclo. Encontrar-me.” E colei este mapa na parede da minha sala / escritório de casa. Ali bem à vista para não deixar de o ver. Decidi que todos os dias tinha que fazer alguma coisa concreta daquele mapa. E foi o que aconteceu!



Acho que isto foi mesmo importante para mim. Quando estamos a tentar pôr no papel o nosso futuro próximo, ficamos muitas vezes com espaços em branco. Desenhei um grande ponto de interrogação à frente do número 2014. Naquele momento, era uma total incógnita.

Mais tarde, no início de Fevereiro, senti necessidade de fazer um novo mapa. Parte daquelas tarefas estavam realizadas. Outra parte, transitou para o novo mapa.

Mantive como título a interrogação sobre 2014. Continua por realizar uma viagem a um destino desejado... que ainda quero fazer este ano.

Encontrei-me ou estou a encontrar-me a cada dia, começando a ficar claro o que quero fazer. E como chegar lá. Tenho mais espaços vazios no novo mapa. Mas como diz uma pessoa de que falarei mais tarde noutro texto, “o vazio atrai o cheio”.


Texto de Miguel Esteves Cardoso, Público, Setembro 2013




sábado, 22 de fevereiro de 2014

Sem sono.

Já tinha apagado a luz. Já são duas e meia da manhã mas o sono não vem. Uma série de coisas a assaltarem-me o espírito... 

Os portugueses, as excepções que desculpem, mobilizam-se freneticamente por causa dum plano do mais absoluto bom senso como fazer passeios sem calçada portuguesa em zonas não históricas. 
Porque é que o meu bairro, fora do centro histórico, ou a zona do Parque Expo, há-de ter passeios aos altos, todos tortos, impossível para fazer circular uma cadeira de rodas, quando podia não ter? 
A facilidade com que se anda quilómetros, mesmo com saltos, em Londres ou Nova Iorque. 
Há 10 anos torci o pé direito na rua Joaquim António de Aguiar, acabou por ser mais do que isso pois ficou para sempre a marca provocada por um grupo de pedras soltas da dita calçada. A juntar, os muitos mais tombos e jeitos que dei porque gosto de andar a pé pela cidade. Apesar de fisioterapia e tratamento, fiquei sempre com uma fragilidade na pena direita que me provoca dor quando ando mais que 7 ou 10 km ou me apoio no joelho direito para subir uma serra. 

Os portugueses ouvem o "cara de porcelana" Luís Montenegro, um dos propagandistas do poder, dizer seraficamente que o país está melhor embora os portugueses tenham uma vida pior e ficam-se. 
Ouvem o governo dizer que os cortes nas pensões vão ser definitivos e nem tugem.
Esta noite, na RTP 1, vi uma reportagem sobre o "trabalho socialmente necessário e de carácter obrigatório" que o IEFP proporciona aos desempregados, durante um ano. Pago a metade ou a um terço do valor real, se fosse a um trabalhador normal. Um branqueamento dos números e uma indignidade para quem tem que aceitar e o dever de ficar feliz por o ter...


Há muito mais. No Facebook, qualquer tema tonto e superficial, como a foto duma cozinhado ou dum gato, tem inúmeros likes mas um qualquer texto da Unicef sobre uma crise humanitária em que já morreram milhares de crianças, nenhum. 

Esta semana passei duas vezes, a meio da tarde, pelo Jardim do Campo Grande. Grupos de jovens de caras pintadas e penicos na tola faziam flexões e outros exercícios no chão, mandados por uns quantos capas negras de colher de pão na mão. Não deviam estar a estudar!? Ou a cultivar-se para estarem preparados para o futuro competitivo e global que os espera? 
Ali a uns metros, a excelente exposição dos 50 anos da Galeria 111 estava vazia. 

Deve ter sido este baixar de braços e o medo individual incutido no dia-a-dia que permitiu que um velho solteiro e perverso governasse o país ditatorialmente durante 40 anos.



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sem justiça social.

Hoje foi o Dia Mundial da Justiça Social, declarado pela ONU. Cada vez estamos mais longe dessa justiça social. A indiferença dos que tudo têm aumenta cada vez mais. Em Portugal, a riqueza centra-se em meia dúzia de famílias e esse facto acentuou-se muito nos últimos anos. Por isso, alguns dos membros dessas famílias, acham que os outros tudo aguentam.
Os outros, nós, viramos demasiadas vezes a cara, pensando que não é nada connosco. Até um dia ser. 


Infelizmente, os países representados nas Nações Unidas, como Portugal, que aprovaram esta resolução, governam praticando o contrário. A foto abaixo, há uns anos apenas possível fora da Europa, vai acontecer cada vez mais por cá. 



Leio no comunicado da ONU que "Reconhecendo a necessidade de promover os esforços para enfrentar questões como a pobreza, a exclusão e o desemprego, a Assembleia Geral das Nações Unidas (...) 
convidou os Estados-membros a dedicarem o Dia a promover actividades a nível nacional para apoiar os objectivos e metas definidos na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Copenhaga, em 1995". Não dei por nada!

Tudo podia ser diferente. Não era preciso sangue nem guerras. Bastava fazer diferente. Gerir diferente. Praticar outros valores. Depois da inoperância das Nações (Des)Unidas face a estas questões de que o drama humanitário na Síria é o último terrível exemplo, tudo é possível. 

Caminhamos outra vez, apressadamente, para uma situação global de conflito, indiferença e maldade. Indigna-me não poder fazer nada...



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sem poder, sem futuro.

Este pensamento assalta-me há muito. Nós, os nascidos no ano de 1960, ficámos entre duas gerações, a anterior e a posterior e não conseguimos chegar ao poder.
Falo de todos os tipos de poder, político, empresarial, artístico.

Quando indago a idade de pessoas que, aos meus olhos, aparentam ter a minha, ou são mais velhas ou mais novas. Numa passagem rápida por gente conhecida, é fácil perceber isto, em todos os sectores. Se vamos para artistas plásticos, nasceram nos anos cinquenta. Os gestores ou têm sessenta e mais ou andam pelos quarenta, não passam dos cinquenta.
Os que eram jovens promissores nos idos de 70/80, como o MEC ou o Miguel Portas, são mais velhos. O outro mano Portas, é mais novo. Escritores relevantes da actualidade são em geral uns anos mais novos, ou então, da geração anterior, que nasceu nos anos 50. Por exemplo, a Assunção Esteves tem uns 58, tal como o Rui Reininho. Os Xutos também nasceram antes ou depois. E por aí...

Não tenho um estudo para me apoiar. Tenho apenas a minha percepção. Esta reflexão pode ser um disparate. As generalizações em geral são e eu não sou socióloga.

Quem nasceu em 1960, nem mais nem menos, ainda tem memória do Estado Novo. O 25 de Abril acontece quando temos 14 anos. Nessa altura, era raro quem não se metia na política ou não vivia intensamente os tempos de mudança. Com 15 anos, li “O Capital” de Karl Marx e discuti o materialismo dialéctico como se soubesse alguma coisa de tudo.
Vivia-se uma esperança imensa numa sociedade melhor e mais justa que parece quase impossível passados 40 anos.


Estudámos q.b., livres do vício aditivo dos mestrados e doutoramentos que dominaram as gerações seguintes. O quê? Não tens um MBA?!? Como não?!

Vivemos uma crise que também então contou com o FMI. 1983, o ano em que acabei o curso. Não havia emprego. Não consegui dar aulas. Não havia a obsessão da carreira. Fiz várias coisas e fui ter à publicidade e à comunicação por puro acaso.

Diluimo-nos por aí, com o passar do tempo. 

Percebemos que a vida pode ser boa, fora do circuito do poder. Viajar, ler, comer e beber, ter bons amigos, bom sol, bom mar, bom campo, boa vista, boa música. Ir adiando as doenças inevitáveis. 

Quem foi assumindo a liderança do país a vários níveis, foi a geração nascida nos anos 40 e 50. Depois, passou para os nascidos em 70 ou 80. Num instante, ficamos out. Ainda novos, somos velhos demais para o mercado.

Os nossos filhos formaram-se mesmo antes de rebentar a grande crise,esta, ou estão a fazê-lo agora. Sem futuro. Têm que emigrar para se safarem ou ficar por cá, amparados nos pais e avós. Os que conseguem trabalho ganham pouco incluídos já no novo modus vivendi do país. 

Nós, os nascidos em 60, estamos a recomeçar. Somos capazes. Vamos fazê-lo reinventando o trabalho. Sem poder, sem luxos, sem futuro. 


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sem luxos



Ando deliciada a rever, todas as noites, por volta da meia-noite, na Foxlife, a série "O sexo e a cidade".
Sempre fui fã, desde o início… há uns vinte anos? Identifico-me com um bocadinho de cada uma daquelas mulheres, sobretudo na sua forma de pensar a relação entre homens e mulheres. E Nova Iorque, quem pode não a amar?
Aqueles episódios pouco têm a ver com os dois filmes realizados mais tarde em que o excesso absurdo de luxo desacreditava as personagens. Para vestir exclusivamente grandes costureiros, sem repetir, seria necessário que estas quatro mulheres fossem milionárias. Pelo seu trabalho apenas, não o conseguiriam.
De qualquer modo, na série, apesar de vestirem como qualquer de nós alguma vez sonhou, não há este exagero. Apesar dos sapatos Jimmy Choo de Carrie Bradshaw.


Foi engraçado reencontrar esta série, por acaso, ao fazer zapping, nesta fase da minha vida. Neste momento, não posso arriscar gastar um tostão fora do essencial. Mesmo ter aquilo a que chamo um "momento de alucinação". Ou seja, fazer uma compra de roupa ou acessórios, extremamente cara, como o que há muitos anos me fez adquirir um sobretudo na Max Mara que uso todos os Invernos.

O mais interessante tem sido constatar a evolução do que sinto. Bem me avisaram que três meses era o período para nos distanciarmos do passado e nos adaptarmos ao novo modus vivendi.

Quando fiquei sem emprego, a minha consciência ditava que não podia entrar num centro comercial, descer a Av. da Liberdade e olhar para as montras ou percorrer o Chiado sem ser a olhar o céu. Ainda a quente, cometi um ou outro pecado... Mais uma mala desnecessária, apenas de outra cor, um vestido no material da moda, feito certamente na China, com a desculpa de fazer anos, um novo creme para encerrar o passado. Sofria ao entrar numa loja e a única maneira de evitar uma asneira era não entrar em lado nenhum. Em particular, nos sítios onde os preços são relativamente acessíveis, grande perigo. As Max Mara’s e outras do mesmo nível há muito que tinham deixado de estar na lista. Restava ainda a Hoss Entropia onde comprei uma gabardina o ano passado.



Ontem, experimentei um novo estado que me provocou verdadeira felicidade interior. Como uma pequena vitória que só nós saboreamos.
Acompanhei a minha irmã a uma loja onde a nova colecção deixa qualquer mulher de água na boca, os preços são acessíveis, as opções imensas. Na sua elegância, em que tudo cai bem, experimentou vários vestidos, que adoro, levou algumas coisas, como eu faria dantes, com a naturalidade de quem não tem que pensar no custo. Ofereceu-me uma bonita camisa. Bastou-me. Não sofri por mais.

Consegui mesmo pegar nalgumas malas (o grande perigo para mim), a preços realmente tentadores, e não comprar.
Não preciso nesta nova vida. Nem sei quantas carteiras, sacos, clutches, tenho. No entanto, adoptei uma velha mochila pequena da Lacoste em excelente estado reencontrada no fundo do armário que me permite andar com o essencial, a pé, sem o peso impossível da minha Longchamp verde azeitona comprada em Atenas há uns anos atrás, num dos tais “momentos de alucinação”.

Sinto que posso reinventar o modo de vestir com o muito que tenho. O excesso que tenho. Partilho este sentimento como aviso: é possível viver muito bem e ser feliz sem o último grito da moda.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Tripolar

Há alguns meses atrás alguém me disse, sobre si mesmo, que já nem bipolar era… mas tripolar.

O nome ficou-me na alma a soar. Nunca mais saiu. Tomei nota. Quem mo disse foi um artista que muito admiro e tive oportunidade de conhecer pessoalmente. Um criador inspirador.
Pareceu-me uma palavra fantástica para utilizar como nome para o meu blogue, se um dia o concretizasse.

Pesquisei.

No mundo online, o significado anda à volta da electricidade: o que tem mais de dois pólos, multipolar. 
No Dicionário da Língua Portuguesa, 8ª Edição da Porto Editora, aparece como medicina, apenas como uma perturbação da visão em que se vê três imagens em vez de uma. 

Mas o texto mais interessante que encontrei foi este, de autor desconhecido:

“Multipolar ou Tripolar, porque até o final dos anos 80, o mundo era Bipolar, ou seja, dominado por dois pólos principais: a antiga URSS( potência socialista) e EUA (potência capitalista). 
Com o fim da URSS em 1991, o planeta passa a ter três pólos de influência (todos capitalistas) 
1) Os EUA com maior área de influência na América 
2) União Europeia na África. 
3) Japão na bacia do Pacífico 
Obs: As potências que produzem tecnologia, dominam os países que exportam matérias-primas. 
Portanto essa nova ordem passa a se chamar multipolar ou tripolar”. 

Hesitei em avançar ou não com o blogue. O que posso acrescentar?

Acabei por me decidir por causa de uma outra pessoa, outro criador que admiro, bloguista excepcional, que me perguntou muito simplesmente, quando lhe falei desta questão, porque não?

Pois, porque não? Assim, aqui estou a iniciar o Tripolar. 

Será um espaço para aprofundar textos que muitas vezes publico no Facebook. Mas também outros, mais ligados à minha área profissional.

Tripolar a marcar um recomeço. Se alguém vai querer ler, só saberei depois.

Ficam convidados a entrar e a participar.