terça-feira, 19 de abril de 2016

ARRUMAÇÕES.

Continuam as arrumações. Esta noite foi uma gaveta da cómoda do quarto de que não tirava tudo há muitos mas muitos anos. Tanta descoberta e recordações. E constatações. Como a de que sempre fiz listas e anotações do dia-a-dia desde sempre.
 
No fundo da gaveta, tinha várias sebentas (quem se lembra das sebentas?) com linhas feitas por mim e todos os gastos listados desde o ano em que casei, 1982. 

Depois comecei a listar numas folhas do banco. Já tive dificuldade em perceber os gastos em escudos.

Também encontrei as agendas todas desde 1982. É só perguntarem o que fiz, por exemplo, a 19 de Abril de 1986, precisamente há 30 anos? 
Fui ver. Está lá: 9h30m Cinevoz, 19h casa.


Mais reencontros no fundo da gaveta. Umas fotos que não sabia onde andavam. Como esta, da minha primeira ida aos Açores. 

Agosto de 1978. Dezoito anos. Fui sozinha. Na altura, o aeroporto internacional era em Santa Maria e a viagem para S. Miguel feita num pequeno avião a hélice. 


Percorri a ilha à boleia. Raramente passava um carro no caminho para as Sete Cidades mas não me lembro de não chegar a todo o lado. 

Fui feliz nesses dias. A minha paixão pelos Açores dura desde aí.


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Medicina interna.

Quis ir a um médico generalista, ou seja, a um médico de medicina interna. 
Mostrar todos os exames que fiz e os resultados das consultas dos especialistas.

Tinha esperança que me explicasse porque sinto o corpo divido ao meio, na vertical, o lado direito cheio de mazelas, o esquerdo leve que nem uma pena. Podia até voar. Se não fossem as dores que me assolam do outro lado, da zona lombar ao pé, mais o ombro e o cotovelo. Ah e o pulso e as pedras nos rins. Etc.


Não quero nada com a direita, isso está mais que confirmado. 

Só vou a médicos pontuais. Como este. Um senhor que já me salvou algumas vezes com o seu saber e calma confiante. Já tem uma certa idade. Setentas e?

Mas não tanta idade como o meu dentista que já fez 85. 
Pela primeira vez, a semana passada, senti alguma insegurança ali, de boca aberta, exposta ao ataque da broca. 

São ambos homens altos e magros, cuidados, aparentam muito menos idade. E as consultas são a horas. Ou eram. Porque, nas últimas duas visitas, esperei quase uma hora. Enfim, perdoo-lhes porque os estimo e considero. Gosto deles. 

Aprecio que trabalhem apesar da muita idade. Não se encostaram. Pensam bem. Gostam do que fazem.

A minha mãe também continua operacional, faz a sua vida, presta-nos os mais variados serviços, participa em peças do Canal Q com o neto, mantendo momentos de adrenalina imprescindíveis à vida!

Saí da consulta, depois de muito perorar, com a quase certeza de ter uma hérnia (ou duas?) e dores para a vida. Já não bastavam as centenas de pedras nos rins que ameaçam os Verões dos anos pares. 2016 é par.

Mais um TAC para fazer. Coluna lombossagrada. Para confirmar. 
Tudo bem, depois marco.

O resto já sei. Perder peso. Não comer bolos. Fechar a boca. A fome aperta. 

O médico deixou de comer bolos há 20 anos. Tal como pão. 
Isso não sou capaz, respondo, sou algarvia. Não concebo a vida sem pão!

É uma questão de força de vontade, como deixar de fumar, responde o senhor no seu corpo sequinho.

É verdade, penso, determinada.

Desci a Avenida da Liberdade em direcção ao Rossio. O ar estava frio, o vento forte arrefecia apesar do sol. 

Mas o tempo é de Primavera. A agitação das ruas impressiona. Até o outrora sisudo Restauradores ressuscitou cheios de turistas e esplanadas.

Tinha fome e a tentação de comer um bolo era grande. Venci-a caminhado rapidamente para o metro, aspirando chegar à calmaria da minha rua e da minha casa onde bebi água e comi uma gelatina... 





domingo, 10 de abril de 2016

Estranhezas*

Confesso que me custa suportar o caminho que o mundo toma. De regressão. 

Pelo menos, é o que percepciono. Apesar de todos os fantásticos avanços tecnológicos que, como a Inteligência Artificial, vão rivalizar connosco no desempenho do dia-a-dia.


Robot em 2016
Olhando só para a minha vida, até podia não me ralar tanto a cada má notícia e seguir o meu percurso, entre as coisas boas e as menos boas. Viver o dia-a-dia mais afastada da vida dos outros. Que não conheço. Não consigo.

Sinto-me no mundo e não quero viver à parte dele, numa redoma egocêntrica.

Custa demais sentir as mãos atadas. Ou sentir-me como tal. Poder fazer muito pouco. Demasiado pouco.

Os acontecimentos dignos de indignação, de comentário, de aflição, dignos de acção sucedem-se tão rapidamente que se torna praticamente impossível apreender todos. 


A fome e a guerra na Síria
A internet veio dar a possibilidade de fazer alguma coisa a partir do sofá. Assinar uma petição da Amnistia Internacional, partilhar documentos e artigos, exprimir a nossa revolta. Ter opinião pública. Para o bem e para o mal. Ficar com a sensação de dever cumprido sem o ser. 

É insuficiente. O que mais me chateia nestes tempos é a dificuldade de acreditar que podemos mudar o mundo. Aos poucos essa crença no poder das massas se unirem e lutarem contra a desigualdade, a injustiça, pelos direitos humanos básicos, foi-se reduzindo. Colectivamente. 

É preciso alguma dose de auto-confiança para persistir na possibilidade que os povos, as pessoas comuns sem poder, a grande maioria anónima pode determinar o seu destino e o dos seus países ou regiões.

O poder do dinheiro, o desenvolvimento dum capitalismo desenfreado e desumano (considerando que antes era mais moderado), o crescimento das desigualdades entre ricos e pobres, o aparecimento de movimentos fascistas e ditatoriais em nome de seitas e religiões, a descriminação das mulheres, o abandono das crianças, o crime, a morte sem pudor de inocentes, a fome, a guerra, a morte arbitrária, têm vindo a não deixar grande margem para o optimismo num mundo livre e mais igualitário.

Talvez seja pessimista e sejamos apenas vítimas do conhecimento global. Antes não se sabia da matança de parte do mundo. 

Não sei. Sinto o mundo como sinto o meu corpo actualmente. Dividido ao meio. 

No último livro de Salmon Rushdie "Dois anos, oito meses e vinte e oito noites", que acabei de ler há dias, a mensagem é a de que os homens se podem tornar razoáveis quando perceberem que a narrativa do conflito em que sempre vivem pode ser alterada e que as diferenças de raça, local, língua e costumes, crenças podem deixar de os dividir.

Passagem final do livro de Salmon Rushdie que refiro.

No livro, esta possibilidade de felicidade e razoabilidade só acontece depois de uma brutal destruição da sociedade, depois de muito sofrimento e morte. 
Depois de muita degradação e desgraça. Da perca em massa de vidas humanas. 
Depois da destruição do mundo a que chamaram um tempo de estranhezas. 

Estamos lá?

* termo utilizado por Salmon Rushdie no seu último livro

terça-feira, 5 de abril de 2016

Offshore humano.

Li ontem algures no Facebook que íamos ver o que a imprensa escolheria face a dois terríveis acontecimentos do mesmo dia, 4 de Abril.

Os documentos do Panamá e a deportação dos refugiados. 

Dois offshores repugnantes, um financeiro, outro humano. Não é disso que trata o acordo EU - Turquia? 

Dando uma volta rápida pelos media, nacionais e internacionais, dominam as notícias sobre o caso do Panamá. 

Até nisto aqueles desgraçados abandonados e reenviados para o cenário de morte de que fugiram têm azar.


Do Panamá.

Primeiro domingo de Abril. 

De repente, ao fim da tarde, somos invadidos (e bem) pela divulgação dos Papéis de Panamá. 

11 milhões de ficheiros que revelam onde grande parte dos muito ricos do mundo escondem os seus milhões, os seus esquemas, as suas corrupções que lhes permitem fugir a impostos, gozar com os pobres e tolos que somos nós, os tolos que trabalham e ganham um salário de merda e pagam impostos.

A escala é demasiado grande para ser logo absorvida. Quase que não dá para acreditar que isto é revelado. Que é mesmo assim. Como suspeitávamos. No mundo. O capitalismo na sua podridão máxima.

Fui espreitar vários jornais e meios como a Forbes ou o The Guardian e todos publicaram a mesma história, à mesma hora. A que o Expresso publicou e partilhei.
Dados, factos, nomes, poder e corrupção. Dinheiro. 

Há muito que não se via jornalismo de investigação a este nível. Ou talvez nunca tenha havida esta conjugação de esforços global envolvendo tanta gente.

Mesmo que não haja capacidade / poder para punir os trafulhas donos do mundo estas denúncias já valeram. Terão sempre consequências. 


Sempre li os livros de John Le Carré com a sensação que os seus casos eram reais. Mas a realidade supera em muito aquelas histórias.

Nos últimos anos, a desigualdade no mundo aumentou brutalmente, com a concentração da riqueza numa percentagem de ricos cada vez mais ricos. 

Como? Já podemos perceber melhor.

Dinheiro. Há dinheiro, tanto dinheiro. Que podia salvar toda a gente da pobreza, da fome, da guerra, da morte.

Os valores envolvidos nestes offshores correspondem aos PIB dos Estados Unidos e Japão juntos. Triliões!

O mundo podia ser fantástico, igualitário, bom mas cada vez o é menos. O que chateia é que a maioria, a grande maioria das pessoas, podia impedir este pequeno número de donos do mundo de o ser. Se quisessem.