terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Amendoeiras em flor.


Sempre que posso, regresso a casa por Monsanto. 

Os dias andam lindos de azul. Tudo fica mais bonito e Monsanto está verde verde. 

Hoje fui surpreendida pelas flores das amendoeiras. 
Em pleno. Grandes amendoeiras em flor. Em Lisboa.

Olhei e re-olhei, só não parei porque o trânsito fluía atrás de mim e as obrigações não me deixavam. 

Queria ter ficado por ali a ver as "minhas amendoeiras". Senti um baque! Saudades da minha infância, do Algarve, do barrocal de antes da destruição. 

Saudades cheias de remorsos por nunca mais lá ter ido. Em Janeiro. É em Janeiro que as nossas amendoeiras ficam em flor. 

Remorsos porque nunca mais coincidi com elas.

Desci por Monsanto em direcção a Belém e ao rio e vi o mar, à minha direita, em espelho. Fantástico para lá do bugio. Sem vento. Brilhante. 

As tardes já demoram mais a acabar. Às seis, o céu fica rosa-laranja, em promessa de repetição.

Penso que o pior já passou. A escuridão dos dias mínimos. 
Não fosse a inquietação que sinto. A aflição do futuro que já é presente. 

Não consigo abstrair-me do mundo. De toda a trumparia que cresce. Não é só na América. É por todo o lado. 

A sensação de viver um presente que é cada vez mais o futuro anunciado. 

A vileza, a desonestidade, a intolerância, o retrocesso, o ódio, a vingança, a pequenez, a rudeza, a ignorância, o egoísmo, a desigualdade, a injustiça, tudo o mais e muito que são valores contrários aos meus. Que estão no poder. 

Nunca deixaram de estar, é verdade. Mas, por uns tempos, pensámos que não. E que não voltariam a estar. Agora parece ridículo termos tido essa crença...

Estou em casa. Apetece-me desligar, fazer um intervalo. Não quero saber de mais malvadezas. 

Não quero falar das saudades de Obama, do horror que é Trump, dos apelos solitários de Francisco, da guerra na Síria que persiste, do abandono aflitivo e definitivo dos refugiados, do terrorismo. 

Não quero opinar sobre a TSU nem insistir na insuficiência do salário mínimo, nem ouvir Passos, nem Cristas, nem pessoas a querer decidir sobre a minha vida e a minha morte. Nem mesmo falar do gosto em que se tornou Marcelo.

Sou eu mesma? Não sei. Espero amanhã voltar ao normal. 

Sinto-me sem forças perante a dimensão da coisa. Vem-me à memória o último livro de Rushdie. É isso, a escala.

Por hoje, quero ficar enroscada pela memória da minha inocência, no tempo das minhas amendoeiras.