quarta-feira, 26 de março de 2014

Avenida da Liberdade

Ontem depois do almoço subi a pé a Avenida da Liberdade pelo lado esquerdo. O tempo estava frio, cinzento, chegou a chuviscar.
Uma sensação desagradável de Inverno desceu sobre a Baixa. Era cedo, nem duas da tarde ainda.
Ultimamente, tenho ido algumas vezes à Baixa-Chiado, de metro. De todas as vezes, gosto daquela Lisboa. Sempre bonita, com ou sem sol, cosmopolita e alegre.


Não podendo gastar dinheiro em viagens, aquelas ruas são uma aproximação a cidades europeias que conheço e às que não conheço mas sonho ainda vir a percorrer.
Caminhar pelas cidades, descobrir ruas, arquitecturas, pessoas e paisagens, a vida local, complementa o gozo que me dá fazer percursos íngremes e pedregosos em campos e serras.

Tenho também descido umas vezes a Avenida da Liberdade, no lado de lá, onde a Cartier, a Prada, a Vuitton ou a Gucci exibem luxos guardados por seguranças gordos de óculos escuros. Em geral, parecidos com os muitos seguranças de Obama que há bocado vi na televisão, em número que me pareceu de absoluto exagero.

Nesse lado, vive um casal de sem-abrigo já conhecido. Têm cão e uma mesa de cabeceira com uma jarra com flores ao lado dos cobertores que são a sua cama. Compõem o passeio esticando o braço aos estrangeiros, muitos, angolanos fartos que saem e entram de carros de luxo com sacos e mais sacos. Nunca os vi dar nada mas alguma coisa ganhará aquele casal para se manter por ali.

Mas ontem subi pelo outro lado. Logo nos Restauradores, alguns seres mortos vivos, esfarrapados, talvez ex-drogados, cambaleavam sem nada pedir.

Cheguei-me aos edifícios, tentando apanhar menos chuviscos. O antigo Eden, onde funcionava a Loja do Cidadão, começa a ficar com ar abandonado, sem vida, vidros sujos com restos de avisos de mudança colados. Safa-se o Palácio Foz e o elevador subindo uma glória que não temos.

Ontem uma sensação de arrepio mais fundo não me largou mais.

Pouco acima da Montblanc, com as suas canetas lindas, nos passeios sujos (não conseguimos ter passeios limpos, há sempre beatas, latas e surro propriamento dito e generalizado), uma rapariga loira, de bom aspecto, bonita, discreta, parecia uma turista, veio direita a mim. Se a podia ajudar para comer. Era mesmo à porta dum restaurante caro com porteira fardada e tudo.

Metros depois, antes do Ermenegildo Zegna, que veste muitos dos nossos ricos gestores novos ricos, daqueles que nunca dão uma esmola porque isso não resolve nada, tive que parar.



Hesitei se fotografava ou não. Senti um enjoo súbito, avancei, voltei atrás. Hesitei se fotografava. Dois homens dormiam abrigados no mármore outrora rosa dum edifício. Sem cartão, apenas cobertores sujos e cartazes colados, meio desfeitos a pedir algo. Mesmo em frente, um Ferrari preto reluzente (nunca percebi como se consegue ter os carros assim tão limpos), de matrícula bem portuguesa, fazia manobra para estacionar.

Reparei como havia muitos mais agentes da PSP, daqueles pagos pelas empresas privadas, a juntar aos seguranças privados, atentos a cada um que passava, orgulhosos dos seus equipamentos de comunicação último modelo.

Tantas vezes nos cruzamos com sem-abrigo nesta cidade. Ontem aqueles dois chocaram-me demais. Eram apenas duas da tarde e dormiam tão enrolados como alheados do mundo. Como alheadas passavam as pessoas na avenida, habituadas ao cenário.

Da porta do Tivoli Hotel saíram senhores bem vestidos de charuto, ainda que baixos e gordos, não conseguiriam sentar-se no Ferrari, estou certa.



Quando cheguei à esquina da Alexandre Herculano, espreitei a montra da Max Mara. Sempre foi a minha marca de referência. Uns vestidos lindos, uns casacos irrecusáveis que, entre o vermelho e o rosa, qualquer mulher gostaria de vestir. Espreitei os preços. Os vestidos rondavam o ordenado mínimo nacional. Os casacos entre três e quatro ordenados mínimos.

Segui para o meu workshop para pessoas em transição. Onde se discutem hipóteses de sobrevivência neste novo mundo.  
Onde se busca a esperança de não transitar para sem-abrigo.

sábado, 22 de março de 2014

Poesia

Desde que me lembro de mim que gosto de poesia. 

Ainda estava na primária, fui incumbida de ir ao palco dizer a "Barca Bela" do Almeida Garrett. Treinei sem fim, "pescador da barca bela, onde vais pescar com ela, que é tão bela, ó pescador?", acho que era assim.

Cheguei a ver publicados uns poemas meus na "Folha de Domingo" um jornal de Faro de que perdi o rasto. Já não deve existir, tal como também não sei o que aconteceu aos poemas. Tipicamente, falavam de pôr-do-sol e de gaivotas.
Parecia uma jovem promissora naquele tempo.

Anos mais tarde, na adolescência, lia tudo o que apanhava na Biblioteca Municipal de Faro e o que aparecia nas livrarias. Ou seja, papelarias, era assim que se chamavam na altura os sítios onde se vendiam livros numa cidade de província, no começo dos anos setenta.

Em 1973, tinha 13 anos, comprei por 24 escudos, (deve ter sido a minha mãe) um livrinho da colecção Cadernos de Poesia das Publicações Dom Quixote, chamado "Crítica Doméstica dos Paralelepípedos" de Nuno Júdice.



Este livro tornou-se inseparável de mim. Lia alto os poemas, extremamente densos e complexos. Lembro-me que não os percebia mas a sua escrita difícil atraía-me. Tempos depois começaram a parecer menos difíceis de entender.

Este livro influenciou-me muito. Toda a minha juventude escrevi diários e poemas que tenho espalhados em cadernos vários pelas muitas caixas que habitam esta casa. 

Acho que a razão principal era que a poesia do Nuno Júdice era completamente disruptiva com aquilo que eu conhecia e aprendia na escola, os poemas autorizados pelo Estado Novo, como "Os Lusíadas" que detestava e "A Mensagem" do Fernando Pessoa que também fazia parte da lista dos odiados. Ainda hoje, não gosto.

Depois, fui crescendo e deixando de escrever poemas, claro. Quando encontro algum num caderno antigo, rio-me da ingenuidade daquelas frases e sorrio da absoluta crença na qualidade dos mesmos que tinha na época.

Esta história não será diferente da maior parte dos adolescentes daqueles anos. A poesia era uma fuga, tal como a música ou outras formas de arte.

O que mais retenho é o imenso valor dado a um pequeno livro e à influência para a vida destes episódios. O acesso a tudo e a todos do mundo www não existia, muito menos no nosso pequeno e fechado país.

Quando se comemora o Dia da Poesia, sinto-me incapaz de escolher um poema entre os tantos poetas que adoro. Sophia, Eugénio, David, Pablo, Lorca, O' Neill, Leonardo, Sena, Natália, Nuno, muitos de excelência, cuja obra fui adquirindo e cujos livros guardo sem emprestar a ninguém. 

Neste momento, estão em desordem, como se pode espreitar na foto, depois de uma antiga empregada ter limpo a estante e ter dado cabo da minha preciosa organização. Tarefa a fazer em dias que têm sido adiados.

Esta manhã, naturalmente, fui procurar o livro dos paralelepípedos do Júdice. Ufa, estava lá, fininho, metido no meio dos outros. 
Por isso, sei que é a edição é de 1973 e a fotografia da capa de António Sena, um grande artista plástico.

Para final de conversa, deixo a frase que define a colecção: 
"Cadernos de Poesia têm por objectivo desenvolver o gosto pela poesia junto do mais vasto público possível, despertando também o interesse de conhecer mais profundamente os poetas aqui apresentados". 

No meu caso, cumpriu.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Happiness

Ontem foi o Dia Mundial da Felicidade.

Estudos variados, frases de pensadores, gestores de recursos humanos e manuais de comportamento que buscam a felicidade interior são unânimes em apontar as pequenas coisas do dia-a-dia de cada um como as fundamentais para atingir uma sensação de felicidade.

Concordo. Tenho experimentado mais do que nunca a felicidade em pequenas coisas que não têm a ver com o dinheiro numa fase da vida em que fiquei sem as condições materiais que me permitiriam fazer algumas das coisas que gosto e que implicam custos, como viajar. 

Concordamos que é tudo uma questão interior e de foco... com excepção para os que nada têm e cuja felicidade é ter algo para comer ou um banho quente para tomar. Ainda assim, são estas pequenas-grandes coisas que lhes dão felicidade.

Andando pelas redes sociais e pelas redes não sociais, parece que estamos todos de acordo. Quem ontem não brindou à felicidade, juntando a primavera, num sonho de paraíso na terra onde tudo é maravilhoso, esquecendo as dificuldades financeiras, o desemprego e o futuro dos filhos?



O que atormenta esta conjugação é o facto de a sociedade caminhar precisamente em sentido contrário. 

Parece que a camada "dirigente" é composta por pessoas que estão "noutra", completamente divorciadas destas questões comuns e populares como a possibilidade de ser feliz e viver "bem" com pouco. 

Não precisamos de dramatizar nem de nos focar no nosso país.

O que se passa no Mundo a nível político, económico e social, parece ser a implementação da infelicidade. A prática contrária à da felicidade, empurrando-nos para um abismo que só pode ter um mau resultado.

Um rol de "se" paira sobre as nossas mentes, mesmo quando dizemos que estamos felizes, como um pêndulo pronto a oscilar e a atingir-nos.



Sendo os que querem a infelicidade em muito menor número dos que querem a felicidade, estes últimos deviam ser capazes de inverter o rumo das coisas, através do contágio e das suas boas práticas.

A História mostra que isso nunca aconteceu, a não ser pontualmente, e os últimos dados apontam para a repetição desse destino. 

terça-feira, 18 de março de 2014

Transitados

Nestas andanças para construir um novo modo de vida, os outros, conhecidos e amigos, quando nos telefonam ou encontram, perguntam com ar grave se estamos bem. O mesmo tom de “estás bem” que todos fazemos quando enfrentamos alguém que sabemos estar com uma doença grave.

Muitas vezes, é com um certo constrangimento que respondo que sim, que estou óptima, mais calma e mais feliz. Esta última parte da resposta fica condicionada conforme o interlocutor. Há quem não perceba como se pode estar feliz sem salário, sem cargo vip, sem carro correspondente, sem estatuto e sem futuro. Não é por mal. Talvez só experimentando.

Eu própria, ao escrever isto, hesito e penso que estou a ser irresponsavelmente optimista. Principalmente, no contexto actual.

A verdade é que a minha “visibilidade”, como se diz na gíria, é bastante limitada. Quando refiro que acho que me aguento uns anos e depois não sei, faz-se um silêncio embaraçoso, tal como o que se faz em relação às pessoas com cancro. Pois não se sabe quanto tempo lhes resta mesmo em cenários optimistas.



Dedico parte do tempo a ler textos publicados no Linkedin, ou em publicações internacionais que sigo, sobre pessoas em transição, criação do próprio emprego, dicas para ter sucesso em entrevistas, coachings variados e outros sobre o mundo e a sociedade.

É bom e mau saber que somos muitos “em transição” ou apenas já transitados. Bom porque provoca um sentimento de solidariedade que anima a seguir em frente. Mau porque se percebe que o sucesso será para poucos, como em geral na vida.

De qualquer modo, tenho aprendido coisas interessantes mas, sobretudo, confirmado, com um sorriso interior de satisfação, que muitas coisas que intui são recomendadas e outras que pratiquei estavam certas. Isto evita sentimentos de culpa em relação ao passado do género “ah se tivesse feito doutra maneira, não tivesse dito assado, teria comido cozido”.

Claro que esta ambiência, retirada das redes sociais e do networking retomado, que cria uma certa fé na possibilidade de ser feliz mesmo sem salário alto, prémios indexados aos resultados, smartphone e tablet do último modelo e outras benesses de quem tem trabalha numa grande empresa, pode vir a revelar-se uma fraude. Ainda não tenho a certeza de nada.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Mistura

Já passou um mês desde que lancei o Tripolar. Um mês passa normalmente a correr.
Escrevi dez textos, nem sempre com o resultado pretendido. Acho que reflectem a minha situação actual.
Ando a experimentar esta nova vida. Com passos à frente e passos atrás (literalmente).



À parte a questão financeira que tem o seu peso na ansiedade interior, estou a gostar do poder que sinto. Decido o que faço e pequenas coisas que vou cumprindo no meu mapa constituem pequenas vitórias interiores. Só minhas.


A liberdade nos horários é agradável mas tem que haver mesmo disciplina para um dia não ser "perdido". Porque gostava que todos os dias fossem produtivos. Sinto que ainda não perdi nenhum. Talvez seja um exagero, resultado da minha educação católica que assenta na culpa. Culpa se não fiz um contacto ou não escrevi nada ou não estudei algo novo ou não limpei ou arrumei qualquer coisa em casa.

Ando sempre ocupada.

Por outro lado, o não estar empregada, presa a um escritório, permite planear uma volta de bicicleta maior num dia de semana ou participar num evento à tarde.


E não utilizar o carro em Lisboa a não ser num caso excepcional.
Tenho gostado muito de viajar de metro. O nosso metro, mesmo neste contexto em que tende a perder qualidade no serviço, é muito bom. De onde moro consigo chegar a quase todos os sítios dentro da cidade.

Existe o caminhar ou pedalar. Enquanto o puder fazer, estou salva. Só tenho sido menos pontual porque ainda calculo mal os tempos...

No caminho para encontrar um modo de vida profissional, tenho procurado misturar.


Misturar temas e pessoas. Tentar relacionar o improvável. Atrever-me a algo não convencional.
Uma coisa já percebi. Não posso deixar que tudo o que já foi feito me faça desistir.

Esta é uma questão difícil. Quando acho que tive uma ideia original, facilmente descubro, com uma simples viagem na World Wide Web, que já alguém a teve.

Aqui, o risco de desistir é elevado. Por isso, há que conseguir equilibrar o estar actualizado, o conhecimento, com o nosso próprio raciocínio e a nossa crença num projecto. E correr o risco de continuar.


sábado, 8 de março de 2014

Ser e Fazer.

Mais de cem anos depois dos dias em que as mulheres, recém-integradas na mão-de-obra industrial, lutaram por condições dignas de trabalho, ainda é preciso existir um dia para chamar a atenção para a situação da Mulher.

Rússia, 1917
A Mulher continua descriminada e desigualada, num segundo plano a muitos níveis: poder, decisões, vida, trabalho, liberdade de ser.


Há dias li um livro que me transportou para a sociedade do final dos anos 60 e início dos 70. Memórias de uma mulher que começou muito jovem na luta política e social, saiu do país sozinha aos 17 anos e só voltou depois do 25 de Abril. Participou nas revoltas estudantis de Maio de 1968 em Paris. Experenciou o movimento hippie. Uma mulher livre e lúcida.

Capa: pintura de Mário Botas, "A Pátria", Setembro 1983
Ao ler as suas palavras, identifiquei-me com ela, apesar de não ter vivido aquela época, pois nasci em 1960. Identifiquei-me no interesse pela política e sociedade, pela vida, pela liberdade, pela independência.

Aqueles foram anos de esperança e de crença na possibilidade de mudar o Mundo. De excessos e de conquistas para o ser humano e a sua liberdade de ser, não só de fazer.

Passados todos estes anos, olhando à volta, vejo uma imensa regressão.

A desigualdade entre pobres e ricos aumentou nos últimos anos. Em Portugal, a fortuna de Belmiro, Soares dos Santos e Amorim, cresceram 17% na lista dos homens mais ricos do Mundo publicada pela Forbes, enquanto aumenta a pobreza da população em geral.

Os acontecimentos de hoje repetem-se assustadoramente, e muito mais rapidamente, como os que antecederam as grandes guerras que repuseram depois uma nova ordem.

Nos anos 60, havia uma esperança. Ainda não tinham caído completamente por terra as hipóteses de uma sociedade mais igualitária, em que os bens seriam distribuídos por todos, com direitos iguais entre homens e mulheres, sem racismo, sem capitalismo avassalador.

Nunca o capitalismo teve uma ferocidade tão descarada como hoje. Bem o sabemos pelo que vivemos em Portugal.

Hoje não há esperança.Todos os dias assistimos a mais e mais dados que contribuem para esta desesperança.

E as mulheres? Como em todas as crises, sofrem mais, uma vez cortados todos os apoios sociais que lhes permitem liberdade para Ser, não só Fazer. 

Acabo de ouvir alguns números fornecidos pelo European Institute for Gender Equality. Parece que face à situação actual, quanto ao item do poder, apenas em 2060 se poderá atingir 75% da igualdade com os homens em vez dos 25% actuais.



Neste mapa (que guardei mas sem a fonte), podemos constatar a situação das mulheres na gestão de topo. Falam por si. As zonas mais escuras estão abaixo dos 20%, as mais claras acima dos 40%. Para grande parte de África não há números pois as mulheres não contam, se pensarmos nos países islâmicos, ou não há dados porque ainda andam a tentar sobreviver.


Tudo o que há para dizer não cabe num texto. Neste texto.
É com tristeza que vivo este momento porque sinto que cem anos de luta diária resultaram em tão pouco.

Conheço mulheres fantásticas. A maioria Faz. Algumas não conseguem Ser.


Por isso, a luta continua. E temos que ser todas, em todos os pormenores, a Ser e a Fazer. Nas empresas onde a misoginia domina, como tão bem sei. Na vida pessoal, onde os números sobre a violência física e sexual divulgados esta semana têm que ser invertidos. 

Como desde sempre, é, para nós, sempre mais difícil, é preciso ser forte e não desistir nunca!

quinta-feira, 6 de março de 2014

Traz outro amigo também

Há dias estive num evento sobre networking para “pessoas em transição”.

Pude constatar, com contentamento interior, ao ouvir os oradores, que estava a agir bem, segundo eles. Embora o esteja a fazer apenas com base na minha própria intuição e resultado de uma longa experiência relacional.

Tranquilizou-me confirmar que não estava maluquinha quando me pus a falar com muitas pessoas, umas próximas, outras que nem conhecia fora do circuito profissional ou que conheci apenas nas redes sociais.

Na sequência do que partilhei em textos anteriores, uma das acções planeadas desde o início no meu mapa foi a palavra “contactos” que coloquei ao centro.

Com efeito, acumulei-os ao longo da vida. Tentei sempre alimentá-los embora tenha havido grandes períodos de ausência devido à intensidade do trabalho. Felizmente, surgiram as redes sociais, sobretudo o Facebook e o Linkedin, que foram essenciais para manter, fomentar e aumentar este grupo de pessoas à volta sem sair do mesmo sítio.


Voltando ao evento sobre networking, ouvi muitas coisas de que gostei como este ser “um processo constante de dar e receber, pedir e oferecer ajuda” (Keith Ferrazzi) e que é preciso estar com desapego e oferecer com desapego.

Parece que o nosso cérebro nunca volta atrás depois de se abrir. Achei piada a esta frase. Então vamos sempre acumulando e crescendo?

Aida Chamiça disse a propósito do contexto actual, sobre as pessoas apanhadas nesta mudança, que "não lhes é permitido parar de crescer” e que podemos modificar-nos de forma imprevisível. Podemos mesmo atrever-nos a provocar o universo e a colocar energia positiva no sistema. 

Mas o que queria partilhar é que estou a experimentar este percurso de contactar pessoas, para falar e ouvir, com o máximo desapego porque, na verdade,  não quero mais do que interagir, conversar um bocado, descontraidamente, e ouvi-las. 
Para mim, esta “escuta activa” já é uma grande mudança pois, quem me conhece bem, sabe que falo demais e tendo a ouvir menos. Mas até isso acho que estou a conseguir mudar.

De modo que limito a disponibilizar-me. Enfim, os meus conhecimentos, contactos em áreas diversas, tal como diferentes saberes antes adormecidos.

Tenho recebido sempre. Muito além do que esperava. Das minhas conversas já nasceram hipóteses de futuro trabalho. E ainda mal comecei. Tenho uma lista grande de pessoas para contactar e combinar um café que o tempo não está para almoços.

Tal como ouvi repetidamente neste evento, é um dar e receber. Sinto que as minhas características pessoais como o “ser dada” (que tantas vezes me pesou na consciência ao longo da vida) e o sentir uma curiosidade natural por pessoas ajudam nesta fase.

Não sei o que vai realmente resultar deste movimento na minha “rede” mas, por agora, sinto-o com o mesmo significado do “traz outro amigo também” cantado por José Afonso.

Como se vê pela capa original de 1070, o conceito de rede aqui está.

Tudo isto me leva a outro tema, sobre o qual escreverei um destes dias: a mistura.








domingo, 2 de março de 2014

Desluzido

O domingo é gordo, dizem. Gordo, cinzento e triste, neste caso.

Continua a chover. Queria sair para caminhar um bocado mas sem ficar num pingo. Estou cansada de ficar num pingo.

Parece que ainda mal acabei de almoçar. Instalei-me a ler o Expresso e outros jornais, à espera duma aberta para sair. Oiço a Cristina Branco e a Stacey Kent. 

Reajo à vontade de ficar enterrada no sofá e espreito o céu abrigada no alpendre. 

Continua a chover. Com vento. Volto para dentro ainda sem desistir completamente mas a coisa começa a prever-se complexa. Dava tanto jeito passear, desfazer o almoço e depois voltar para um chá simpático, com bolachas, que marcaria o começo da segunda parte da tarde. 

Volto para dentro mas começo a sentir fome. 
O que foi o almoço? Peixe. O peixe é desluzido, dizia a minha avó. Já o tinha dito eu à mesa quando, em poucos minutos, comi a minha posta de peixe espada grelhada, saudável, com batatas e cenoura cozidas. 



O peixe é desluzido. Outras coisas também. Sempre ouvi esta expressão em casa. 

Numa tarde triste de chuva e mais chuva, num domingo que dantes antecipava folgas curtas e gostosas, fui ao dicionário ver o que dizia.

Desluzido, escasso ou minguado em peso e medida. Foi o caso! Também deslustrado e depreciado, que tira o brilho.

Confirmei mais uma vez o saber dos antigos. Minha querida avó. Num dia destes, sentem-se saudades. Saudades de ser pequena, brincar pela casa, se chovesse como hoje. 
Depois lanchar à mesa de camilha e braseira, na sala de estar. Café com leite e papo-secos com manteiga e marmelada. Mimos antigos que não voltam.

Volto ao dicionário. Também lá estava Desluzir, a seguir ao Desluzido.
Desluzir, desacreditar, depreciar, tirar o mérito.
É o nosso dia-a-dia colectivo, sinto. Sobretudo depois de ler os jornais.
Notícias de Deslusões (não vou ver se existe, invento, afinal, é um dia de lazer / deslazer e podemos falar de coisas pequenas e familiares como palavras e expressões).
As desilusões já eram. Estamos na fase das Deslusões. Estamos desluzidos, escassos e minguados...  








sábado, 1 de março de 2014

O vazio atrai o cheio

Esta frase foi-me dita por Aida Chamiça, uma cotada executive and team coachque tive a oportunidade de conhecer num programa de coaching e liderança em que participei nos últimos meses na empresa.

Com o meu habitual cepticismo relativo a este tipo de coisas, tinha iniciado o dito programa desconfiada da sua utilidade. Houve uns dias em grupo que foram interessantes, com colegas de que gostava, e que não acabei porque saí entretanto. Nada de especial.

Mas o que quero referir aqui é o coaching individual feito de conversa, one to one. Ou de nós falarmos para alguém que escuta activamente e faz uma ou outra pergunta, como se não fosse decisiva. Interrogações que criam desconforto e a que podemos não saber responder.
Como por exemplo, numa escala de 0 a 10, onde está o seu medo? 

Onde estava o meu medo, no momento em que acabava de deixar quase 13 anos de vida dedicados àquela organização, ainda tão a quente, numa mistura de sentimentos violentos, e começava outra vida, sem saber qual, sem saber nada?

Duas ou três questões perfeitamente adequadas, resultado do meu próprio pensar, foram fundamentais para me dar confiança, para me dizer aquilo que eu própria sabia mas podia não relevar. Como que todas as perguntas sobre o futuro, todas as interrogações ainda sem resposta são oportunidades imensas de criação.

Estas interrogações, colocadas de forma tão serena, deixaram-me a fervilhar por dentro. 

O vazio não aconteceu. O vazio está a ficar cheio. Esse cheio é um recheio que tem evoluído e mudado amiúde, num caminho entre a confusão e a clareza. Afinal, só passaram três meses.

Nestes últimos dias, comecei a pensar como me tem provocado um enorme gozo interior saber se vou ou não (ainda não duvidei que sim) ser capaz de concretizar novas coisas, diferentes. 

Dou por mim, a caminhar com um sorriso nos lábios, feliz. Sem medo apesar do medo que acho devia ter. E algum tenho. Mais por obrigação porque não o sinto realmente. Nunca fui muito de medos, é certo.

Face à actualidade, tudo pode falhar mas, para já, acredito. Obrigada, Aida. Obrigada a outras pessoas de que falarei no próximo texto.