quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O indizível.

"O indizível. O flagrantemente presente e que se não acaba de esclarecer. O estranho que nos perturba e não sabemos donde vem"
Vergílio Ferreira, Pensar


O ano acaba hoje.
Tal como toda a gente, também fiz listas e pensei balanços.
Depois, deparei-me com as palavras de Vergílio Ferreira e achei que diziam tudo sobre o ano: “O indizível. O flagrantemente presente e que não acaba de se esclarecer. O estranho que nos perturba e não sabemos donde vem”.
O indizível caracteriza aquilo que, para mim, marcou o ano com uma imensa dor. 
A revelação do horror e da violência extrema, sem qualquer valor pela vida do outro.
Do Exército Islâmico. Dos bombardeamentos de Gaza. Do rapto e violação de jovens mulheres na Nigéria e em tantos outros lugares. Da escravização das mulheres. Do racismo. Da intolerância. Dos milhões de refugiados e deslocados. Da guerra.
O ano de 2014 afirmou o mal e a barbárie sem pudor. Sem vergonha. Perante a impotência do bem e da defesa dos direitos humanos mais básicos. Parece uma luta perdida. Com vitórias pontuais. Como Kobane.
Leio António Guterres, na entrevista ao Público, “todos perdemos”. As guerras deixaram de ter vencedores e vencidos. Assim parece.
É nesta estranheza global, perturbante e violenta, que em Portugal o ano passa ainda mais indizível que antes.
Outro tipo de estranheza, de violência, de dor. A frase de Vergílo Ferreira resume-a tão bem: “O flagrantemente presente e que não acaba de se esclarecer”.
Foram assim os nossos dias. Tantos os casos, em pioria ascendente, que vivemos em apatia colectiva, sem capacidade indignatória.
Faço um esforço por compreender esta falta de revolta organizada, para perceber o outro, para ver um caminho. Tenho dificuldade.
O ano também confirmou como o carácter dos homens faz toda a diferença nas organizações. Como a vontade de fazer diferente, afirmando valores adormecidos em minorias, pode motivar e envolver maiorias.
É o caso de Francisco. Que espantou mais do que o esperado. Que anuncia querer voltar à prática dos valores do cristianismo. Queremos ver.
Francisco leva-me ao tema do papel dos media e da comunicação, cada vez mais determinante na passagem de valores e mensagens.
A publicação da verdade ou da mentira. O rigor ou a falta dele. A qualidade da informação ou a mediocridade da mesma. A defesa da liberdade ou a traição a esta.
Há tempos li José Victor Malheiros em “Os ricos são pessoas mas os pobres são estatísticas”: 
“O discurso mediático é, de forma crescente, o discurso dos poderosos e cresce o número dos sem-voz, dos marginais transformados em estatísticas. De forma crescente, nos media, os ricos são pessoas e os pobres são estatísticas.
É tempo que os jornalistas recuperem o lema de “dar voz aos que não têm voz” e multipliquem aquilo que, por agora, continuam a ser histórias esporádicas de incidentes ocasionais para nos fornecer um retrato realista de toda a sociedade”.
Está em causa  a liberdade.

Para mim, este foi um ano de afirmação de liberdade. Diria condicionada.
Ainda assim, liberdade. De recomeçar e refazer. De viver diferente. Com mau e bom, como em tudo. Com desafios e medos. Foi preciso prescindir de muito. Pessoas e bens.
Olho para trás e tenho que fazer esforço para me lembrar do início do ano, rebuscar notas, rever fotos. Há um até ao Verão e um depois. Até na saúde.
Trabalhei muito, aventurei-me na escrita, ensaio sem estreia, por enquanto. A ver vamos. Sinto necessidade de escrever. Sempre funcionou como terapia. Espaço para expandir a revolta. Preferia tocar bateria, faria o mesmo efeito e com uma componente física que deve manter os músculos nos braços, ponto fraco das mulheres em envelhecimento.
O que se passa no mundo e na sociedade, aqui e fora, está sempre comigo.
A indignação faz parte de mim. Sempre fez. Em tempos mais definidos, com mais clareza nos caminhos. Não quero nunca abandonar os meus valores. Não quero nunca baixar os braços. Mesmo se não tiver companhia. Mesmo que custe muito. Já aguentei até aqui.
Gostava era de ser capaz de pegar em armas e ir para a linha da frente. Só não sei em qual frente, sendo tantas.
À minha escala, quero lutar (será esta a palavra? nos dias de hoje parece ridícula, simplesmente) por uma sociedade melhor, com menos desigualdade, menos violência, menos injustiça. Basicamente, o mesmo que queria há quarenta anos, aos 14.
É esse apenas o meu desejo para o futuro. Não ficar calada. Nem parada.

Todas estas fotos estavam disponíveis na net. Foram trabalhadas com filtros.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

És muito mais feliz lá fora.


Parece que está na moda despedir em nome da felicidade.
Há gestores que, na hora de dispensar colaboradores, invocam as excelentes qualidades dos mesmos para demonstrar como poderão encontrar a felicidade fora da empresa, sem trabalho e sem salário.
Eles, dispensadores, também poderão, resolvida a contenda, jantar e fumar o seu charuto em paz.
Perante a contestação dos visados, que têm família para sustentar, contas para pagar e um futuro para viver, insistem na explicação desse mood fantástico que é poder dar largas à liberdade sem ter que aturar chefes ignorantes e caprichosos ou cumprir objectivos impossíveis.
“Vais ver que és mais feliz lá fora, o dinheiro não é assim tão importante”. Pois não. A convicção das palavras faz pensar que o desejam para eles próprios, qual nirvana.
Na hora do despedimento, este tipo de argumento é dispensável porque não ajuda em nada o funcionário, apenas causa mais dor e indignação.
A narrativa destes gestores é fortemente influenciada pelas sessões de coaching pessoal, pago a peso de ouro, em que tentam atingir um estado de liderança que não lhes é natural, nem nunca lhes será característico.
Podemos considerá-la uma conversa da treta pois, quando chega a hora de discutir valores e condições, a libertação prometida vai-se para vir, então, ao de cima a mesquinhez do pensamento “tudo para mim, nada para os outros”, destruindo em segundos a prometida felicidade.
A fraqueza de muitos dos nossos gestores de sucesso vê-se na dificuldade de partilhar valor.
Passam anos a dissertar sobre a importância das pessoas na organização. O valor da empresa está nas pessoas. Foco nas pessoas.
Estas, imbuídas de crença neste discurso e fé nas suas capacidades, trabalham anos e anos, prescindindo de si e dos seus, com máximo empenho, contribuindo para os resultados, com o sonho de serem um dia ressarcidas desse esforço.
Nada mais falso.
Todos sabemos que não há empregos para sempre e que as empresas procuram, mais do que nunca, a inovação na renovação, associada à juventude e aos baixos salários.
Em Portugal, muitas empresas, apesar de investirem em formação e em programas que visam dar voz aos colaboradores, praticam o contrário. Na hora da saída, humilha-se, aproveitando o momento de fragilidade e incerteza do visado.
Nessas alturas, partilhar algum do valor acumulado, para o qual o colaborador contribuiu, não lhes passa pela cabeça. Apenas despachá-lo rapidamente, envolto numa conversa inútil que visa simplesmente deixar o gestor de consciência limpa.
Seria preferível contratar alguém como o personagem de George Clooney em “Up in the air”, para despedir sem apelo nem agravo. Sem emoção nem envolvimento. Sem promessas dum mundo melhor. Apenas um golpe rápido, em nome da crise e da redução de custos, qual número na engrenagem. Como a realidade.

domingo, 21 de dezembro de 2014

A desigualdade do Natal.


A verdade é que nunca, até hoje, tinha realmente vivido a desigualdade do Natal. 
O mais próximo foi sentir compaixão pelos outros, tentar ajudar partilhando materialmente alguma coisa.

Nunca fui muito fã desta época, como sabem os mais próximos.

Por não ter religião (já passaram mais de quarenta anos sobre o tempo em que deixava os sapatinhos na chaminé e acreditava sinceramente que era o menino Jesus que deixava presentes… vivia com emoção a minha crença no menino Jesus, ainda não conhecia o pai Natal).

Por ser uma época em que as divergências familiares se colocam, discussões à mesa, depois das negociações sobre quem vai estar e o comportamento à mesa do dia 24, a fim de evitar os temas de política, sociedade, religião, ovos da galinha, ficando o ambiente estranho. Há sempre o tema do frio ou da chuva…

Por não ser a favor de sanzonais e falsos estados de bondade e dávida de quem pratica o contrário todo o ano.

Por ser sempre uma intensa época de trabalho. Durante anos e anos, a organizar festas de empresa, mais o envio das boas festas, o fecho de projectos, os orçamentos e a preparação do novo ano.

Por o Natal antecipar numa semana o fim do ano, o pior de tudo, e logo a seguir fazer anos, o meu humor ficar bera. É certo que, nos últimos anos, já vai sendo o contrário. Começo a ficar feliz por fazer anos. Quer dizer que me aguentei viva mais um ano.

No entanto, gosto de algumas coisas que estão ligadas ao Natal.

Contactar pessoas de quem já não sei há muito.

Gosto de fazer um bom jantar no dia de Natal, como manda a tradição na minha terra. Celebrar o dia 25, o nascimento de Jesus, era essa a razão. Juntar também amigos que são família, preparar a casa, a mesa, dar e receber.

No dia a seguir, existe um ar de lazer, em que tudo pode ser adiado uns dias, até para o ano.

Gosto da ressaca do Natal quando, finalmente a sós, há oportunidade de curtir os presentes e comer os restos, o perú frio, os sonhos e os outros fritos que sobraram, o bolo-rei torrado com manteiga ao pequeno-almoço, fazer uma canja com os miúdos do perú para desenjoar.

Tudo isto acontece quando há uma confortável base económica em que “o dinheiro se fez para gastar”, se dá presentes bons, não necessariamente caros, com o prazer de saber que o outro vai gostar, a cozinha está a abarrotar de coisas, não faltando nada para assegurar uma mesa farta em excessos.

Quando as circunstâncias mudam e o dinheiro está contado, cortam-se os presentes e leva-se para a mesa apenas o essencial. Nada a que não se sobreviva. 

Quantas pessoas não têm sequer a mesa?

A minha colaboração como voluntária numa organização de apoio aos sem-abrigo tem ajudado a perceber como é não ter nada, nada mesmo.

A minha situação actual, ainda assim privilegiada, pois, por enquanto, não me incluo nos quase 30% de portugueses que vivem na pobreza, implica, no entanto, cortes permanentes nos gastos e viver o mais afastada possível da sociedade de consumo.

Decidi que não darei presentes nenhuns no Natal.
Decidi que o jantar do dia 25 não vai ter mais do que o essencial. 

Não vai haver nozes, nem amendoins, nem tábua de queijos, nem doces a mais. 
Como convido amigos, vai haver bom vinho e, suspeito, que ainda vamos ter a famosa lampreia de ovos.

Uma passagem pela Baixa, Chiado ou outra zona comercial, torna tudo mais difícil. O impulso comprador ataca em força e não é nada fácil resistir. Por isso, é melhor evitar.
O que os olhos não vêem, o coração não sente, diz o ditado popular.

Sinto como tudo isto acentua ainda mais a desigualdade. E nem sequer falo dos 10% de muito ricos nem dos 10% de muito pobres. 



De facto, sem viver as situações não conseguimos mesmo senti-las. 
Há bocado, a Rosa tocou à porta, pedindo dinheiro para o azeite, acostumada que estava ao meu cabaz. Este ano, não posso, disse, sem abrir a porta, para não a olhar de frente. Mas, senhora, posso vir amanhã, respondeu ela, implorando. 
Pensei, que se lixe, sim, venha manhã.

O Natal é uma época muito dura para quem não tem. A muitos níveis.

O Natal tornou-se um imenso momento de consumo e exibição de riqueza longe dos valores que o tornaram um momento de humildade e partilha, seja ditado pela celebração do nascimento do messias, seja pela celebração do solstício de Inverno.


Por mim, acabamos com o Natal, já. 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Onde estão?

Onde estão as raparigas nigerianas raptadas pelo Boko Haram? 

Faço esta pergunta tantas vezes. Chegamos ao fim do ano sem solução para este drama. 


Um caso que continua com mais raptos e a escravização de mais e mais mulheres, aqui e noutros tantos lugares. 


As mulheres estão a ser um alvo preferido dos terroristas islâmicos em qualquer parte do mundo, competindo em violência e barbárie. 


O sentimento de impotência face ao aumento da perda de todos os direitos das mulheres, é terrível. Porque ameaça fortemente a esperança.

Quando pensámos que no século XXI haveria mulheres livres a tornarem-se escravas, tratadas como animais, ou pior, e sem capacidade de reacção que inverta isto?


Conte-me uma história.

Partilho um texto que escrevi para o Blog da Hamlet B2B. Convidaram-me para colaborar com o Blog, no âmbito da comunicação business to business. Fiquei muito honrada com este convite. 


Conte-me uma história!


Será que se confirma que os decisores empresariais são seres humanos como os outros e têm coração? Tudo indica que sim!

No artigo “Os decisores empresariais também têm um coração?” Jayme Kopke disserta sobre o tema não deixando margem para dúvidas.
Essa parece ser, então, a grande descoberta que envolve a buzzword do momento em termos de marketing e comunicação: storytelling.
Conte-me uma história! Quem não pediu alguma vez, quem não foi solicitado para tal?
As histórias servem para passar mensagens de modo muito mais eficaz.
Por isso,  sempre serviram também para a comunicação B2B.  Apenas ninguém falava nisso como um fantástico meio para entrar no coração dos decisores.
Até há pouco tempo, usava-se o storytelling essencialmente para o consumidor. A história que faria soar um clique no  seu coração impelindo-o ao consumo apaixonado daquela bebida, à aquisição orgulhosa daquele automóvel, à  completa dependência daquele creme de eterna juventude.

Fora do dia-a-dia publicitário das histórias que as marcas contavam para chegar aos consumidores, ficavam os  gestores das empresas cujo target são outras empresas, parecendo que o seu destino teria que ser o dos dados frios e  chatos, arredados duma linguagem emocional que, afinal, está sempre em todas as decisões.
Um acontecimento fez explodir a buzzword  storytelling e colocá-la na boca de toda a gente: o surgimento do digital  como plataforma inultrapassável de comunicação e sociabilização.

Quase tudo se torna possível. Por exemplo, imaginar as história do Capuchinho Vermelho ou da Cinderela se estivessem nas redes sociais e usassem os devices que usamos hoje.
O digital permitiu criar e recriar histórias, simplificando as mensagens através da utilização da imagem, do vídeo, da  infografia, introduzindo uma velocidade na comunicação, impossível antes. Permitiu a sociabilização das mensagens e a introdução da emoção em larga escala.
Vivemos um momento em que a hipótese de fazer chegar a mensagem certa ao público-alvo, obtendo resultados parecem muito maiores.
A utilização intensiva, e mesmo a banalização do conceito de storytelling,  não deve impedir-nos de o utilizar seriamente na nossa comunicação de marketing.
Afinal,  sempre por aqui andou.


“Big companies know storytelling is the secret weapon to ‘branding.’ Why? Because people don’t fall in love with data dumps and PowerPoint slides. They are moved by emotions”.
In Fast Company

Café, vinho e sexo.

Café, vinho e sexo! Boa!
No meio de tanta notícia bera e triste, sobre o país e o mundo, hoje percebi que viver muitos anos com saúde está ao alcance de todos nós.

Pois é, segundo um artigo publicado na revista do Expresso, de base científica, basta beber café e vinho, comer peixe e frutos secos, praticar muito sexo, conviver com os amigos, fazer voluntariado, adoptar um animal ou correr 5m por dia, para aumentar muitíssimo a longevidade. 

Como praticante de grande parte destas categorias, fiquei com medo de ultrapassar os 100 anos, qual Manoel Oliveira, pois financeiramente teria alguns problemas de sustentabilidade... 

Intrigam-me estes artigos e a pertinência da sua 
da sua publicação, juro. Que treta...

Deu para me entreter a fazer esta montagem...
14 Dezembro. Facebook

Obrigada, Pedro!

Satisfação sentida quando, completamente de surpresa, descobri uma frase do Tripolar no blogue do Pedro Rolo Duarte.





quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sábado versus Domingo.

Sempre associei o sábado a algo agradável. As possibilidades que se abrem são imensas. Parece que temos todo o tempo do mundo à frente. Tudo é possível, parece.
Enquanto que o domingo remete para algo castrador que sabemos acontecerá algures nesse dia, umas horas mais tarde. O fim do fim de semana. A meio da tarde já começa a formar-se um nó no estômago anunciando o regresso aos deveres.


Dito isto, era sábado e pus-me a caminho. O dia estava azul. Finalmente, luz e sol. Excelente para conduzir estrada fora. Destino desconhecido. Tudo em aberto.

Na rádio, António Costa discursava no Congresso. Gostei. Palavras de força e de esperança, tudo o que não temos tido. Objectivos mobilizadores. Foco nas pessoas. Tom afectivo. Mais um ânimo para o sábado. Aprecio que não fale do déficit e que tenha a sua própria agenda. Podemos ter esperança?

Até ao ultimo fim de semana, devo ter sido dos poucos portugueses que nunca tinha ido a Fátima. Digo isto porque só me conhecia a mim mesma como não conhecendo o local.

Para além da minha falta de fé e crença em qualquer Deus, o milagre fabricado em Fátima significa tudo o que me arrepia na religião. Gato por lebre e mais não digo que tenho muitos amigos crentes que respeito mas compreendo mal.

Nunca tive um motivo para lá ir. Mas este sábado tive, embora sem nada a ver com religião. 
E fui, pondo para trás das costas os preconceitos. Afinal, não é obrigatório ser peregrino para visitar a tal terra.

É tudo muito diferente do que tinha imaginado. Prédios e prédios, não muito altos. E montes de hóteis com nomes religiosos. Aceitável. 

Depois do almoço tardio, já a tarde refrescava e nublava, fomos passear a pé. Finalmente, conheci a tal Cova da Iria, um espaço enorme e aberto, bonito. 

Claro que não senti nada, nenhum chamamento, nenhuma fé. Observei tudo como observo qualquer sítio, religioso ou não, quando vou em turismo.


Gostei da Basílica da Santíssima Trindade, inspirada na arte bizantina, da autoria do arquitecto grego Alexandros Tombazis. Impressionante a arquitectura, com mais de oito mil lugares sentados e uma área de 40.000 m². 
Imponente e rica. Em Fátima sente-se o dinheiro e o seu poder. 

No domingo, o céu estava escuro e chovia, não contribuindo em nada para diluir a tristeza do dia. Apesar disso, deu para visitar o castelo de Ourém e a sua vila medieval. E desejar voltar. Almoço na aldeia Pia do Urso. Comida tradicional, farta e boa.  O passeio foi curto que chovia bem.


Fim de semana de despedida, de ponto final, com a sensação de não o ser. Tudo fechado. 

Afinal, era domingo. Voltei para Lisboa com a luz fraca da tarde, quase noite. 
O carro cheio de tralha. Música e pensamentos. Que ano. Uma sensação de vazio. Um aperto de perda.

Estamos sempre a recomeçar. Tudo fechado ou tudo aberto? 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Violência.


Foi há bocado. Em plena tarde e luz do dia.

Saí do metro em Picoas, na Tomás Ribeiro, para subir a rua e virar mais à frente para a António Augusto Aguiar, onde é o meu médico. Ía depressa porque faltavam 5m para a minha consulta marcada para as 16h. 

Dois quarteirões acima, uns dez metros à minha frente, sem mais, vi um homem grande agarrar com violência o cabelo comprido duma rapariga que ía ao seu lado. Não tinha reparado neles, envolvida nos meus pensamentos de ressaca dos acontecimentos que ensombram o país. Sentia o sol e a aragem fria que apareceram para alegrar a tarde.

Numa primeira impressão, pensei que se tratava dum pai a zangar-se com a filha jovem adolescente, tal era a diferença de altura entre eles. Depois percebi logo que era um homem e uma mulher. E que ele estava a gritar com ela, a empurrá-la e a ameaçá-la. 

Fiquei logo nervosíssima. Olhei à volta, ninguém. Do outro lado da rua, um Pingo Doce mas nem um segurança à porta. 

Nunca vivi nem vi uma cena assim. Ela foi andando para trás, até ficar encostada a uma montra abandonada. O tipo era bem alto e forte, fato castanho, falava alto e crescia para ela, alterado. Ela, magra e baixa, com ar bem frágil. Poderia ter escapado dali se quisesse. Mas o medo era evidente. Ela falava qualquer coisa, não dava para perceber.

Aproximei-me, ultrapassando-os pois estavam parados no passeio. Quando passei, disse para o tipo (nessa altura de costas para mim) "é melhor parar". Não se virou logo. A rapariga olhou-me aterrorizada. 
O tipo continuava a ameaçá-la. Perguntei à rapariga "precisa de ajuda? Vou chamar a polícia." 

Então, o gajo virou-se para mim e gritou "não se meta, não tem nada com isto". Safa que era ameaçador. Feio mas feio, vesgo e os olhos raiados de vermelho. Veio direito a mim como se me fosse bater. Atravessei a rua depressa sem olhar para trás e a dizer alto "vou chamar a polícia". Só pensava como gostaria de ter físico para esmurrar aquele filho da puta. Ou um taco de baisebol para lhe dar com toda a força.

Segui à procura de algum polícia, nada. Ou alguém suficientemente forte que quisesse enfrentar aquela besta. Ninguém. Caramba, eram quatro da tarde.
Olhei para trás. O tipo tinha acalmado um pouco, seguiam pelo mesmo caminho que eu, um bom bocado atrás, lado a lado, a falar, aparentemente sem a violência anterior. 

Já estava a passar a hora da consulta. Quando virei para subir a António Augusto Aguiar , perdi-os de vista. Polícia nenhum. Ainda tremia. Só pensava na rapariga. Não sei qual seria a relação deles. Mas aquela rapariga frágil e bonita não combinava com aquele brutoldo violento. 

Já no consultório, lembrei-me que hoje se comemora o Dia Internacional para a Erradicação da Violência Contra as Mulheres. 

Quando entrei no gabinete do médico estava ainda a quente. Contei-lhe a história. Perguntou-me "não fotografou?" Não, nem tive tempo de me lembrar disso. Devia tê-lo feito!
Felizmente, o motivo que me levou ao médico era infundado e saí vinte minutos depois. Andei rapidamente até à rua onde os perdera de vista. Ninguém nem nenhum carro de polícia a registar um crime. Ufa! 

Este episódio, fez-me pensar em como agir, uma vez que não tenho força física para uma besta daquelas e não agir nem se coloca. Acho que o ter interrompido, falado, ameaçado com a polícia, teve algum efeito momentâneo mas senti-me mal por não ter feito algo que levasse aquele tipo à justiça. E agora?

Penso naquela mulher. Nas mulheres que se sujeitam a algum tipo de violência. 
Uma em cada três mulheres é vítima de abusos físicos em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde divulgados a semana passada

As mulheres têm que perder o medo. 

Os comportamentos violentos têm que ser punidos. Com todo o exagero. 

domingo, 23 de novembro de 2014

A minha tarde de domingo.

Há dias que andava em pulgas para comprar o último livro da Alexandra Lucas Coelho. Gosto de tudo o que escreve e, depois de ter lido as entrevistas que deu e ter percepcionado a história do novo livro, fiquei de água na boca. Tudo a ver comigo. 

Ontem vi algures que o livro tinha 5 estrelas. Tinha que o ter, até porque estava a três páginas do fim da Teoria dos Limites, de Maria Manuel Viana. E é sempre tramado sair duma leitura de que se gosta e entrar noutra. Quantas vezes desisto de um livro porque o anterior deixou marcas tão profundas que a seguir nada interessa. 

Por isso, senti que só O Meu Amante de Domingo podia encaixar agora. E não me faltam novos livros em espera. A forte contenção de custos que pratico quase há um ano só é ameaçada pelo impulso irresistível dos livros. 

Passei a manhã a arrumar as gavetas fundíssimas da cómoda, as das meias e da roupa interior. Esvaziar tudo, passar a pente fino, rever, seleccionar, dobrar e rearrumar. Tarefa que detesto. Estava para fazer isto há mais de cinco anos... Foi esta manhã. Não liguei o computador, não fiquei a ler os jornais na mesa da cozinha depois do pequeno-almoço, não fui caminhar nem andar de bicicleta. Não, portei-me super-bem e tratei das meias. Dos collants, por cores e espessura. Das meias de desporto. Das meias de lã até ao joelho. Das meias de lã mais pequenas. Das de algodão. Das de fantasia que nunca uso. Das repetidas. Das leggins que não sabia ter. Ufa!

Quando acabei, ao fim de duas horas, as costas doíam mas o dever estava cumprido. Até daqui a cinco anos, no mínimo!

Chovia, como sempre. À hora do almoço, quase não se via dentro de casa e o ímpeto para ficar abrigada era algum. Mas não, O Meu Amante de Domingo urgia. 

E precisava sair, respirar, sentir a cidade depois dos acontecimentos sinistros dos últimos dias. 


Equipei-me à maneira, gabardina, galochas, chapéu, chapéu de chuva, mochila. Pronta para caminhar depois do metro.

Fui até ao Chiado, directa à Bertrand. Que está toda mudada, com mais espaço, com menos livros, sem graça, sem o ar old fashion de antes. Até isto! O que nos restará?

Descansei. O livro estava lá, capa vermelha, edição Tinta da China. Objectivo atingido. Dinheiro certo. Olhar sem desvios. Uma volta pela rua à chuva e regresso ao metro, noutra linha, para a visita dominical à mãe.

Foi assim que percorri a Estrada de Benfica, do Jardim Zoológico ao Califa, a pé, defendida do cinzento molhado dos pés à cabeça. Há quantos anos não fazia este percurso a pé? Trinta e alguns.

O palácio do Conde de Farrobo, A Colmeia, o Arabesco, a rua dum namorado, o Sr. Manuel dos biscoitos. Ninguém na rua. Nem eram cinco.

Que sede, mais um bocadinho e um chá preto quentinho. É bom ter mãe e ter esta que é a minha. Claro que as calorias foram repostas por alguns Esses, os melhores biscoitos de sempre. 

De volta a casa, oiço a banda sonora do Hable con Ella e escrevo. 
Anseio pela noite, ultrapassados os telejornais, as detenções, os comentários, quando me deitar na minha caminha e me puser a ler O Meu Amante de Domingo! 



domingo, 16 de novembro de 2014

Mudanças e andanças.


Estes dias têm sido estranhos.

Apenas porque os acontecimentos passam como se não fizessem parte da minha vida. A velocidade das coisas não deu tempo para ficar a pensar na sua essência, nos porquês e nas consequências.

Vendo bem, não pensar muito na causa das coisas tem sido uma opção para prosseguir. Sobretudo, não avaliar culpas e culpados. Para seguir em frente, como se diz agora.

O fim-de-semana marca o fim duma fase, duma história, dum percurso.

Quando, por fim, paro de labutar, fico no sofá a olhar, de pijama, manta nas pernas, jornais à volta, televisão ligada, comida uma sopa e uma maçã para cumprir função, sem entusiasmo.

Não é um dia de semana. É sábado à noite e uma amiga telefona com um simpático convite para jantar na casa dela, com outras amigas, para comer castanhas, conversar, beber um copo. Agradeci e recusei com a desculpa verdadeira do cansaço e do pijama já vestido.

Queria estar sozinha. Preciso. Há uma ingratidão nisto porque os amigos são quem nos salva nas dificuldades, nos momentos difíceis. E gosto dos amigos, dos que tenho, de saber que os tenho. Gosto do dar e receber que os verdadeiros amigos implicam.

Já recusara com dificuldade um convite para um café durante a tarde, feito quando desembrulhava copos e outras coisas trazidas da casinha para a casa e tentava arrumá-los com êxito muito duvidoso. Sozinha. Não queres ajuda? Não, obrigada.

Stacey Kent cantava demasiado bem “What a Wonderful World”.

Apetecia-me assim. Sem interrupções. Sem questionários. Mas consegues fazer tudo sozinha? Vê lá, já não tens vinte anos. Eu sei. Dói aqui e ali, quando tento puxar um vaso pesadíssimo com uma oliveira que trouxe para a entrada de casa. Mais outro com um cacto gigante e outros tantos que os homens das mudanças deixaram mais ou menos no espaço mas a que falta dar um jeito.

Não me despeço da casinha. Às oito e pouco da manhã estava lá. Abri o portão e o pátio estava ensopado, brilhava ao sol repentino depois da imensa chuva anterior. 

A casinha é agora uma vastidão de caixas num desmantelamento que não dá margem para romantismos. A salamandra já foi vendida, não tem fogo e está tapada por caixas e coisas prontas a levar.

Há humidade fria quando abro a porta. Ainda bem, de facto, rapava-se um frio do caraças naquela casa. 

Enquanto os homens carregam a chaise longue amarela, sítio de tantos sonos e leituras, juntam-se vizinhas e vizinhos em bons-dias curiosos. Ah, vão-se embora? Como se já não soubessem que as notícias correm rápidas por ali.

À noite, recostada no sofá, a consumir as enormidades avassaladoras das notícias na televisão, tenho ideias para escrever revoltas muitas com tudo o que se passa pelo país e pelo mundo. Mas falta-me a força para ir buscar um caderno e apontar as ideias, sabendo que de manhã será difícil relembra-las exactamente da forma luminosa como surgem.

Na SIC, Marques Mendes, que evito ver e ouvir porque me enerva muitíssimo, braceja e agita as mãos pequenas como todo ele, afirmando repetidamente a sua inocência no caso dos vistos dourados. A jornalista, bem, pergunta então porque não saiu da sociedade JMF se diz já não estar activa desde 2011? Sem resposta.

São todos inocentes até deixarem de ser.

Nunca pensei, em toda a minha vida, que Portugal seria um desses países cheio de corruptos que associava às ditaduras da América do Sul. Mas vejo agora como a corrupção sempre medrou como a merda.

Antes e no Estado Novo. E depois. Agora de modo mais descarado porque fomentada a impunidade. 

Os medos pequenos que fazem o dia-a-dia das pessoas comuns estão cheios da noção do poder da corrupção. Não só no numerário ganho num favor feito mas na moral perdida nesse favor. Quem aldraba pequeno, aldraba grande. A teia constrói-se.


A amargura é maior porque confirmada a cada desilusão, a cada descoberta, a cada suspeita.

Vejo uma mulher na sua sabedoria feita pelos muitos anos, responder, na rua com mais casos de legionella, que ainda não bebe água da rede. Mas pode, diz o jornalista. E pode confiar? Não. Não confia. Beberá mais tarde, quando passar o tempo que confirme por si a confiança nessa água dita boa pelas autoridades.

Até a este nível a confiança está perdida.

Tomo o pequeno-almoço, bem dormida. No céu há esperança de um dia azul e com sol. Que não se confirma. Já está cinzento.

Sinto urgência para escrever. Tomo notas dos tópicos que a noite relembrou: corrupção, ética, jidahistas, Kobane, guerra, Gaza-Palestina, Boko Harum, as raparigas raptadas e violadas que não voltaram, as mulheres que são esterilizadas na Índia, Putin que abandona o G20 sem responder e afirma que precisa de dormir (?). 
Tantos filhos da puta e maldade a denunciar…

“Uso a palavra para compor meus silêncios”, leio no poema de Manoel de Barros “O apanhador de desperdícios”. Magnífico. 


sábado, 8 de novembro de 2014

António Lobo Antunes



Sábado e acordo cedo. Há um sol ténue que passa pela janela mas a seguir fica tudo escuro e chove. Penso em como a quantidade de luz afecta o nosso estado de alma. 

Enquanto tomo o pequeno-almoço, leio a entrevista de António Lobo Antunes à Ípsilon. Uma bela conversa. 


"Tenho um medo permanente de isto estar acabado", diz o autor. 

Simpatizo com este homem, com o que diz sobre os livros e os escritores e, no entanto, não o consigo ler. Não consigo avançar nos seus livros... Lamento tanto.

Vou fazer nova tentativa. Apetece-me depois desta entrevista. Livros dele que nunca acabei não faltam cá em casa. 

domingo, 2 de novembro de 2014

Pedalar selvagem.

Esta manhã senti saudades da beira Tejo selvagem de há mais de vinte anos quando andava sozinha de bicicleta, calmamente, a pedalar e a ver a cidade, a observar o casario e o céu.

A única preocupação de então era não apanhar com um carro em cima, o que era pouco provável num domingo de manhã, e encontrar um caminho por onde passar entre os contentores que impediam a proximidade com o rio.

Não havia ciclovias, apenas uma pequena faixa cobaia, estreita e mal desenhada, junto do actual Café Inn que julgo ainda nem existia.


Esta manhã, domingo azul de temperatura amena, meti a bicicleta no metro, direita ao Cais do Sodré, cheia de saudades de pedalar junto ao rio e de sentir o cheiro a maresia, sem pressa nem programa.

Mal lá cheguei, percebi que a coisa seria complicada.

Logo no percurso do Cais do Sodré / Meninos do Rio até à zona do Urban Beach, tive que me desviar várias vezes e parar para não ser passada a ferro por grupos de ciclistas, daqueles que vestem lycra de cores florescentes e parecem um PVP numa loja de equipamentos electrónicos do Martim Moniz, tanta é a parafrenália que trazem em cima.
Avançam em sentido contrário, aos magotes e a grande velocidade, a ocupar as duas faixas e ai de quem estiver à frente.

Esta manhã eram mesmo muitos, e seguidos! Arrependi-me por ter chegado tão cedo, apesar de já passar das 11h30m.

Grupos de homens, em alegre camaradagem, claro, que regressavam certamente dum percurso de vastos quilómetros iniciado muito cedo, o cheiro a suor e as tshirts verdes, amarelas e rosa berrantes a anunciá-los.

Fiquei logo bera. Queria pedalar olhando à volta, com espaço e sossego, e isso seria impossível. Teria que ir com tanta atenção ao caminho como na condução de um carro em plena hora de ponta…

Entre a Doca do Espanhol e o Museu da Electricidade tudo piorou ainda.

Apesar da largueza do passeio, todo o tipo de caminhantes insistiam em seguir na faixa das bicicletas. Por muito que tilintasse, não se desviavam obrigando a parar várias vezes para não esbarrar com as suas pernas grossas suportando os respectivos grossos abdómen feitos de muita cervejola e bifanas nos dias de futebol, que são todos. Não sei se adianta andarem por ali…

Para além disto, biciclavam famílias inteiras, pais e filhos de todas as idades, patinavam outros, treinavam de um lado para o outro umas centenas, a correr com toilettes preparadas cuidadosamente para o efeito e auscultadores no máximo e, por fim, milhares de turistas, de mapa na mão e cabeça à roda, percorriam toda a zona junto ao rio até atingirem os alvos finais, o Padrão dos Descobrimentos ou a Torre de Belém.


Aí, colocavam-se na imensa fila de muitos metros perante a estranheza dos locais, como eu, que não percebemos que uma visita à Torre justifique horas de espera a pé e sem abrigo das intempéries.

Para passar de bicicleta foi preciso tilintar, tilintar e tilintar e, depois, pedir uma brecha para passar, quase por favor.

Só já no passeio em frente ao edifício da Fundação Champalimaud foi possível recuperar algum sossego. Finalmente, consegui pedalar serenamente e olhar o rio e o mar lá longe, depois do Bugio.

Resolvi sentar-me um bocadinho a saborear uma barra calórica de chocolate e amêndoas com muito mais calorias do que as gastas no acidentado percurso.
As gaivotas passavam tangentes espalhando cocó. O rio brilhava conforme o sol o fazia, acima, ou não.



Suspirei pensando como este era um passeio a evitar para mim. Pedalar sem poder apreciar a vista, rio dum lado, casario do outro, com preocupações com a condução, não me interessa. Quantas vezes, em passeios de bicicleta pelo campo, lembrei com saudade este percurso que faço desde sempre.

O desenvolvimento não se faz só de infraestruturas. Estas têm melhorado muito mas não a educação das pessoas. Não respeitam as ciclovias e muitos dos ciclistas não respeitam as pessoas.
É um atropelo. Tal como não gosto da sujidade e da vandalização visível ao longo do rio, em especial na zona do Cais do Sodré e do Urban Beach. Serão estas inevitáveis face ao crescimento brutal do turismo? Acho que não.

Esta manhã senti que aquele percurso nunca mais seria o meu. Que nunca mais seria o meu espaço solitário feliz.