sábado, 30 de janeiro de 2016

O cancro.

Já não posso ver nem ouvir a frase "perdeu a batalha contra o cancro", a cada vez que alguém morre por causa desta doença.

Qual batalha? Não há batalha nenhuma, nem uns que lutam mais que outros. 

O cancro é uma doença de merda. Uma morte anunciada. Que sabemos que é quase certo que nos vai calhar, mais dia menos dia.

Como se vive com esta doença? Como se vive com o olhar de compaixão dos outros? Sincero mas, ainda assim, de compaixão. Como é quando é connosco? 

Não sei, ainda não sei. Mesmo tendo estado muito próxima, nunca deu para falar abertamente com um doente. Evita-se o tema. Quem se atreve a perguntar? 
Ainda se foge da palavra, domina o medo.

No início, aposta-se tudo na esperança
Contam-se os dias, de tratamento em tratamento, sabendo que o prazo de validade existe. Aguenta-se como se estivesse tudo bem. 

Quando os tratamentos começam a falhar, já não dá para perguntar nada porque só se deseja ter tempo. Mais tempo. Tempo com aquela pessoa de quem gostamos e que sabemos que vai partir. 

Agarramos-lhe a mão e sentimos um calor bom, a vida ainda tão presente.

Quem está doente age com esperança, uma esperança imensa de sobreviver. 
Cada vez mais débil, cada vez com mais dificuldade, cada vez pior, mas sempre procurando uma salvação.

Todas as pessoas próximas que perdi foram heróis. Morreram de pé.
Continuaram firmes sem desistir da vida. Até ao último minuto. Não sei como. 

Não sei como. 
Quando for comigo, prometo a mim mesma, nos meus pensamentos íntimos, não vou resistir. 
Não me vou tratar, não vou entregar-me às experiências dos médicos, nem ficar sem cabelo por causa da quimio, nem deixar-me ficar prostrada, sem capacidade para ler ou escrever ou passear e apreciar a paisagem.

Quando for comigo e sentir que o meu corpo morre todos os dias um pouco mais, acabo com a vida. 

Todos me dissuadem quando digo isto, avisando-me que, depois, quando somos mesmo nós a ter a doença, o instinto de sobrevivência agarra tudo. 
Serei como os outros. Batalharei pela vida contra o cancro. Mesmo sabendo que perderei.

Nos últimos anos, morreram muitos dos meus melhores amigos, das "minhas" pessoas preferidas, com cancro. 
Perdi grandes referências. Perdi grandes exemplos. 
Perdi pessoas que marcaram a minha vida. Que a influenciaram. Que a determinaram, pessoal e profissionalmente. 

Sinto uma falta imensa delas. Todos os dias. 
Um telefonema que já não posso fazer. Uma opinião que já não posso ouvir. Uma partilha que já não tenho com quem partilhar. Um livro ou um filme que já não tenho com quem discutir. Um almoço ou um café que fica por tomar. Um abraço ou um beijo que já não posso dar.

O cancro é uma doença de merda que mata sem tréguas os bons, os melhores. 
Não espera que fiquem velhinhos e sós, não. Ataca quem está no auge da vida, cheio de planos e afazeres. Interrompe sem cerimónia e destrói tudo.

Destrói a pessoa e os outros que amam essa pessoa. Os outros não conseguem ajudar, salvar, nem adiar nada. Assistem impotentes. Assistem com a alma a chorar e um sorriso de carinho nas conversas que sabem derradeiras. Com uma ligeira esperança no olhar de que talvez naquele caso a morte não aconteça. Pelo menos já. Mas acontece e é uma merda.

Espero a minha vez sabendo que a cada ano somado à vida me aproximo mais dele.
Onde vai ser e quando? 

Não tenho especial medo. Só não quero sofrer tanto como todas estas "minhas" pessoas sofreram. 




Sei que a ciência evoluiu muito. Que há casos de sucesso. Há, eu própria conheço alguns. Que se caminha para a cura, para uma solução. 

Mas hoje a sensação que fica, quando se contacta de perto com a doença, do ponto de vista do doente, no terreno, é a imensa impotência perante a força avassaladora destas células. 

O que fica é a imensa solidão do doente. 
A imensa impotência da família e dos amigos. 
O que fica é a promessa certa do fim.

O cancro é mesmo uma merda!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Eleições.


Mais uma vez, os portugueses optaram pelo conservadorismo, pelo garantido e conhecido, não arriscando mudar. 

Faltam só dez anos para voltarem a ter outra oportunidade. Muitos não votam. Nem neste nem naquele, marimbam.
 
A campanha e o dia das eleições só é vivido por mais ou menos metade.


A tangibilidade de Marcelo conquistou. Trabalhada e consolidada ao longo de anos através da televisão, foi entrando nas nossas vidas sem pedirmos, o homem com defeitos e qualidades. Como nós.

Antes teria sido possível mas, depois destes annus horribilis feitos de gelo, indiferença e desprezo, foi muito mais fácil ganhar com este perfil. 


Quem poderia realmente vencer Marcelo? Guterres? Ou apenas Tony Carreira como alguém escreveu por aqui?


A campanha foi desprovida de interesse apesar de alguns personagens participantes parecerem figuras de banda desenhada e outros terem mais conteúdo. Que tentaram vender. Mas realmente, quantos querem saber, conhecer o conteúdo?


Voltamos às nossas vidas. Realmente, ninguém está demasiado chateado. 

A imprevisibilidade do eleito vai animar os dias até assentar e verificarmos que tudo ficará mais ou menos na mesma. 

Apesar de tudo, sem Cavaco. O que já é muito nos dias que correm.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Perdas.

Acordo mais cedo, está nevoeiro e chove. Foi assim toda a noite. O sono não foi profundo, fui ouvindo a chuva cair, bater algures.

O tempo combina com a tristeza destes dias. Feitos de perdas.


O cancro, o maldito cancro, continua no seu caminho de destruição. Cada vez que me ligo, há mais uma morte de gente conhecida. 


Outros, ilustres, não resistem à idade avançada,mas aí é a natureza a funcionar.
Não há vida eterna por aqui.


O que chateia realmente é ter a sensação que a morte só leva os bons.
A morte cada vez mais banalizada no mundo. Quando não é próxima. Mais um ataque contra jovens, contra a educação, contra a liberdade, levado a cabo por assassinos talibans, no Paquistão. Mais um.


Estou a ler Submissão, do Michel Houellebecq. Está lá tudo. Esta sociedade...


Em Davos, os ricos minoritários donos disto tudo, terão batido palmas a Leonardo Di Caprio quando discursou ontem? Ouvirão as palavras de Francisco para não esquecerem os pobres?


Quem pensaria, há poucos anos, que estaríamos, no século XXI, a discutir a desigualdade, qual Idade Média?

domingo, 17 de janeiro de 2016

15 Janeiro 2016

Mais um ano que passou. Veloz e cheio de acontecimentos que, mais uma vez, mudaram a minha vida. 

O "núcleo duro" manteve-se, como atesta a foto tirada ontem à noite. Que assim seja por muito tempo.
Não foi assim para todos. O António partiu nesta mesma semana de Janeiro, deixando uma saudade imensa e um vazio nas nossas vidas. 
Que o tempo, sempre o tempo, ajudará a apaziguar, esperamos, ou sabemos. 


Por enquanto, ainda não é assim. Fizemos um esforço para sorrir para a fotografia.
Quem a tirou, reentrou na minha vida este ano, inesperadamente, alterando-me os planos de independência e, devagarinho, criando-me a esperança na possibilidade de uma vida a dois, tranquila e feliz. 


Vamos ver o que este 2016 nos reserva depois dum começo tão doloroso.
O estado do mundo não anima e eu não sei viver sem sentir as aflições dos outros, sem me revoltar com as injustiças ou seguir indiferente face à miséria, ao totalitarismo, à guerra, ao mal. 
Não consigo estar optimista. 

Resta desejar muito e agir para que a vida dos que estão à nossa volta seja boa, haja tolerância e progresso. Resta recomeçar.