Quando fiquei sem
emprego, alguns amigos e conhecidos sugeriram que escrevesse um livro.
Estariam preocupados como iria passar o tempo?
Quando digo
que não, alguns respondem “mas tu escreves tão bem!”.
Felizmente, tenho um
filho suficientemente crítico para, logo na altura, me ter dito precisamente o
contrário “Não te vais pôr em casa depressiva a escrever um livro como todos os
desempregados, certo?”
E quando me atrevi a criar este blogue, apenas para ver
o que era capaz de escrever, sem qualquer pretensão para além de fazer algo que gosto, avisou-me que nunca iria ler porque eu não
escrevia bem. Acho que nunca leu nada.
Ainda assim,
capricorniana que sou, não desisti do Tripolar e de me obrigar a escrever
regularmente textos num blogue que, sem o peso da ficção, funciona como ensaio
e gozo próprio.
Principalmente por
gostar realmente de escrever. Gosto e é algo que me apetece fazer.
No entanto, tenho a
noção das enormes lacunas literárias que uma vida absorta num trabalho de
gestão operacional não ajudou a colmatar, apesar de sempre ter
lido bastante. Mas tenho enormes falhas nos clássicos, especialmente, nos
russos.
Outra razão é porque me alivia as irritações várias. Como não toco bateria nem dou
murros num saco de boxe, escrevo o que me vai na alma. E sinto-me melhor depois.
Ando
uns tempos com um assunto na cabeça e há um momento em que tem que ser e
torna-se a minha prioridade.
Uma terceira razão tem
a ver com a parte profissional. Tendo eu que procurar sustento para os anos de
vida que me restam (sempre na esperança que não sejam demais) e posicionados os meus serviços na área da escrita para empresas, textos de todo o tipo mas
foco na descodificação ou no contar através duma história serviços e soluções
destas, preciso criar referências.
Após 29 anos a
trabalhar em comunicação e a escrever coisas para os outros, afinal o que tenho
para apresentar assinado por mim?
O convívio com pessoas
próximas que têm realmente talento, conhecimentos, memória prodigiosa e obra
publicada e reconhecida, permitem “cair na real” e perceber o ridículo que seria pôr-me a escrever um livro. Por isso, já sosseguei várias vezes o meu filho quanto
a essa inquietação. “Está descansado que não vou escrever um livro, nem o
saberia fazer”.
Mas a sensação de
que são mais os que escreveram um livro do que os que não o fizeram assalta-me constantemente. E que o fizeram com uma leveza e facilidade alucinantes. Como e quando o fizeram?
Uma conhecida apresentadora de tv |
Uma volta pela Feira
do Livro num sábado ao fim da tarde mostra que há quase mais escritores que
leitores/compradores. Sentados numas mesinhas, com os livros à frente, o rosto meio
envergonhado perante o olhar interrogativo dos passantes.
Outros, olho com
veneração por gostar da sua escrita e admiração pelo que defendem.
Fico sempre parada,
tentando disfarçar, a olhar o Mia Couto, que acho lindo naquelas camisolas
azul-verde mar que lhe fazem os olhos ainda mais claros e a poesia da sua prosa
mais admirável.
Mia Couto |
Passou por mim, esse
senhor que é Eduardo Lourenço, passos pequeninos nos seus mais de 90 anos de
vida.
E José Gil, cujo
último livro “Pulsações” não comprei por razões financeiras, estava sem ninguém
à frente, sentado a uma mesa, o vento fresco a constipá-lo.
Fiquei embasbacada
por ali a folhear este seu último livro que aborda temas que tanto me
interessam. “Porque é que os portugueses resignam? Porque é que não se
revoltam? Porque é que admitem tanta prepotência medíocre dos que os humilham,
esmagam, lhes retiram, dia após dia, as energias fundamentais para o país? Mais
concretamente: que mecanismos impedem os portugueses de se exprimirem em
democracia, permitindo ao mesmo tempo a proliferação da asneira governativa?”
Como gostaria de ler
quais as razões que aponta para estas questões.
Mas ponderado o custo
do livro versus o meu budget actual, contive-me e saí dali com um aperto de
alma.
Também no fim-de-semana, li uma
entrevista com Siri Hustvedt, escritora norte-americana casada com Paul Auster
em que esta diz ler quatro livros por semana.
Siri Hustvedt |
Em meses bons, consigo ler dois livros por
mês, noutros, a maioria, leio um em dois meses. É preciso ler muito e muito
para escrever algo decente. Aliás, é o que ela diz, que só lê e escreve. Lê 4 a
5 horas por dia…
Escrever é muito
difícil. Por exemplo, já refiz este texto várias vezes, a cada revisão mudo muitas coisas e não me
agrada.
Para além da
capacidade de criar e contar uma história atraente para o leitor, é preciso
trabalhar a estrutura e as personagens. Investigar, escrever e reescrever. Trabalhar
muito.
Um trabalho a tempo inteiro.
Um trabalho a tempo inteiro.
Trabalhar muito |
No entanto, nesta
nossa sociedade de facilitismos, aparecem editoras, como a
Chiado, com apelos muito profissionais no Facebook, para envio
de livros para eles avaliarem.
Qualquer pessoa pode escrever um livro e
publicar. Em 10 dias apreciam e respondem.
Havia comentários de muita
gente interessada, entusiasmada, a sonhar já com a sessão de lançamento e o momento de partilha dos poemas ou livro escritos.
Sem querer cortar
sonhos, pus só lá um curto comentário, rapidamente retirado, pelo menos, não o consegui reencontrar: “Preparem
o dinheiro para suportar a edição e para nunca mais ter retorno”.
Não sei de nenhum
livro que tenham rejeitado... O custo da produção e da impressão é suportado pelo autor. A distribuição deles não existe. Quanto aos 10% em cada venda, não conheço quem tenha recebido.
Nos relatórios, nunca há vendas. Tudo me soa a esquema, envolvido por frases sonantes, escritas com tipagem da moda e colocadas em fundos giros, que têm muitos likes e partilhas no Facebook, criando um ambiente que mistura verdadeiros escritores/autores, reputados, com frases de "La Palice"...
Não, não vou escrever
um livro.
Gostei do que escreveste.
ResponderEliminarTalvez porque te acompanhei na feira do livro apercebi-me da tua frustração...
Eu sou uma das que te disse para escreveres um livro e não me arrependo. Escreves bem, a crónica que acabei de ler sobre o "fanico do Cavaco", no Face. Está um must.
ResponderEliminar"Porque é que não te revoltas? Porque é que admites tanta prepotência medíocre de quem te humilha, esmaga, te retira, dia após dia, as energias...!"
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