segunda-feira, 9 de junho de 2014

Escrever um livro.

Quando fiquei sem emprego, alguns amigos e conhecidos sugeriram que escrevesse um livro. 
Estariam preocupados como iria passar o tempo? 
Quando digo que não, alguns respondem “mas tu escreves tão bem!”.

Felizmente, tenho um filho suficientemente crítico para, logo na altura, me ter dito precisamente o contrário “Não te vais pôr em casa depressiva a escrever um livro como todos os desempregados, certo?” 


E quando me atrevi a criar este blogue, apenas para ver o que era capaz de escrever, sem qualquer pretensão para além de fazer algo que gosto, avisou-me que nunca iria ler porque eu não escrevia bem. Acho que nunca leu nada.

Ainda assim, capricorniana que sou, não desisti do Tripolar e de me obrigar a escrever regularmente textos num blogue que, sem o peso da ficção, funciona como ensaio e gozo próprio.

Principalmente por gostar realmente de escrever. Gosto e é algo que me apetece fazer.
No entanto, tenho a noção das enormes lacunas literárias que uma vida absorta num trabalho de gestão operacional não ajudou a colmatar, apesar de sempre ter lido bastante. Mas tenho enormes falhas nos clássicos, especialmente, nos russos.

Outra razão é porque me alivia as irritações várias. Como não toco bateria nem dou murros num saco de boxe, escrevo o que me vai na alma. E sinto-me melhor depois. 
Ando uns tempos com um assunto na cabeça e há um momento em que tem que ser e torna-se a minha prioridade.

Uma terceira razão tem a ver com a parte profissional. Tendo eu que procurar sustento para os anos de vida que me restam (sempre na esperança que não sejam demais) e posicionados os meus serviços na área da escrita para empresas, textos de todo o tipo mas foco na descodificação ou no contar através duma história serviços e soluções destas, preciso criar referências. 

Após 29 anos a trabalhar em comunicação e a escrever coisas para os outros, afinal o que tenho para apresentar assinado por mim?

O convívio com pessoas próximas que têm realmente talento, conhecimentos, memória prodigiosa e obra publicada e reconhecida, permitem “cair na real” e perceber o ridículo que seria pôr-me a escrever um livro. Por isso, já sosseguei várias vezes o meu filho quanto a essa inquietação. “Está descansado que não vou escrever um livro, nem o saberia fazer”.

Mas a sensação de que são mais os que escreveram um livro do que os que não o fizeram assalta-me constantemente. E que o fizeram com uma leveza e facilidade alucinantes. Como e quando o fizeram?

Uma conhecida apresentadora de tv
Uma volta pela Feira do Livro num sábado ao fim da tarde mostra que há quase mais escritores que leitores/compradores. Sentados numas mesinhas, com os livros à frente, o rosto meio envergonhado perante o olhar interrogativo dos passantes.

Outros, olho com veneração por gostar da sua escrita e admiração pelo que defendem.
Fico sempre parada, tentando disfarçar, a olhar o Mia Couto, que acho lindo naquelas camisolas azul-verde mar que lhe fazem os olhos ainda mais claros e a poesia da sua prosa mais admirável.

Mia Couto
Passou por mim, esse senhor que é Eduardo Lourenço, passos pequeninos nos seus mais de 90 anos de vida.

E José Gil, cujo último livro “Pulsações” não comprei por razões financeiras, estava sem ninguém à frente, sentado a uma mesa, o vento fresco a constipá-lo.

Fiquei embasbacada por ali a folhear este seu último livro que aborda temas que tanto me interessam. “Porque é que os portugueses resignam? Porque é que não se revoltam? Porque é que admitem tanta prepotência medíocre dos que os humilham, esmagam, lhes retiram, dia após dia, as energias fundamentais para o país? Mais concretamente: que mecanismos impedem os portugueses de se exprimirem em democracia, permitindo ao mesmo tempo a proliferação da asneira governativa?”

Como gostaria de ler quais as razões que aponta para estas questões.
Mas ponderado o custo do livro versus o meu budget actual, contive-me e saí dali com um aperto de alma.

Também no fim-de-semana, li uma entrevista com Siri Hustvedt, escritora norte-americana casada com Paul Auster em que esta diz ler quatro livros por semana.

Siri Hustvedt
Em meses bons, consigo ler dois livros por mês, noutros, a maioria, leio um em dois meses. É preciso ler muito e muito para escrever algo decente. Aliás, é o que ela diz, que só lê e escreve. Lê 4 a 5 horas por dia…

Escrever é muito difícil. Por exemplo, já refiz este texto várias vezes, a cada revisão mudo muitas coisas e não me agrada.

Para além da capacidade de criar e contar uma história atraente para o leitor, é preciso trabalhar a estrutura e as personagens. Investigar, escrever e reescrever. Trabalhar muito. 
Um trabalho a tempo inteiro.

Trabalhar muito
No entanto, nesta nossa sociedade de facilitismos, aparecem editoras, como a Chiado, com apelos muito profissionais no Facebook, para envio de livros para eles avaliarem. 
Qualquer pessoa pode escrever um livro e publicar. Em 10 dias apreciam e respondem. 

Havia comentários de muita gente interessada, entusiasmada, a sonhar já com a sessão de lançamento e o momento de partilha dos poemas ou livro escritos.

Sem querer cortar sonhos, pus só lá um curto comentário, rapidamente retirado, pelo menos, não o consegui reencontrar: “Preparem o dinheiro para suportar a edição e para nunca mais ter retorno”. 

Não sei de nenhum livro que tenham rejeitado... O custo da produção e da impressão é suportado pelo autor. A distribuição deles não existe. Quanto aos 10% em cada venda, não conheço quem tenha recebido.
Nos relatórios, nunca há vendas. Tudo me soa a esquema, envolvido por frases sonantes, escritas com tipagem da moda e colocadas em fundos giros, que têm muitos likes e partilhas no Facebook, criando um ambiente que mistura verdadeiros escritores/autores, reputados, com frases de "La Palice"...




Não, não vou escrever um livro.

3 comentários:

  1. Gostei do que escreveste.
    Talvez porque te acompanhei na feira do livro apercebi-me da tua frustração...

    ResponderEliminar
  2. Eu sou uma das que te disse para escreveres um livro e não me arrependo. Escreves bem, a crónica que acabei de ler sobre o "fanico do Cavaco", no Face. Está um must.

    ResponderEliminar
  3. "Porque é que não te revoltas? Porque é que admites tanta prepotência medíocre de quem te humilha, esmaga, te retira, dia após dia, as energias...!"

    ResponderEliminar