sexta-feira, 20 de junho de 2014

A discriminação silenciosa das mulheres.

Só posso falar do que conheço. Do trabalho das mulheres, quadros de empresas, com cargos de responsabilidade, chefias ou não. Do que vivi.

A discriminação é feita no dia-a-dia. E, sobretudo, nos níveis superiores, no topo, ou naquilo que é topo para as mulheres.

Como? Antes de mais, sendo sempre a opinião delas menos considerada ou até ignorada. Se é mania da perseguição? Não. No turbilhão do dia-a-dia, quase não notamos. Terá sido, afinal, apenas um mal-entendido, tendemos a pensar?

Quando paramos e olhamos para trás, reflectimos e analisamos objectivamente é que percebemos. 

Muitas mulheres, perante o protesto face a certas situações que acontecem por se ser mulher, acham que é exagero de pessoas fundamentalistas do género "lá estas tu com essas coisas". 

Pois é. As mulheres são fantásticas trabalhadoras mas não têm passado disso mesmo.

Os números referentes à participação de mulheres nas administrações de topo das empresas cotadas em bolsa são ridículos.

Dados de 2013, evidenciam que, apesar das mulheres serem 55% da população activa, só 7% se encontram em conselhos de administrações de empresas em Portugal. 

Nas empresas que compõem o PSI 20, ou seja, nas principais empresas cotadas em Bolsa, em 240 administradores só 15 são mulheres.

Na Administração Pública, onde parece haver mais paridade no acesso ao poder, apenas 21% exerce cargos de gestão. 

Não tenho números sobre o Ensino mas julgo que aqui o número será menos mau. Ou então o número será maior apenas em quantidade de professoras. 

Na última escola onde a minha mãe deu aulas, havia 20 mulheres professoras e um homem professor mas este é que era o director.

Nas áreas de engenharia, apesar do crescimento de licenciadas, o número é de apenas 5%.

Não falo aqui da grande maioria das mulheres que trabalham desalmadamente em trabalho não qualificado, indiferenciado, doméstico, no campo ou em fábricas, nos balcões, nos bares, em todo o lado. Afinal, são 55% da população activa. 


Nas empresas de áreas como a consultoria e as tecnologias de informação, que tiveram um grande crescimento nos últimos vinte ou vinte e cinco anos, geridas pela geração nascida nos anos setenta, pratica-se a meritocracia.

Essa é a resposta-tipo quando questionados sobre o pouco acesso das mulheres às decisões de gestão e aos cargos de topo. É uma treta. 
Nessas empresas, existem clubes de amigos que podem ter um mau desempenho infinitamente sem nunca ser penalizados. 

A meritocracia pressupõe uma avaliação com base no mérito, no desempenho, face a objectivos bem definidos e aprovados por ambas as partes. 

Inspirados pelos modelos americanos de progressão rápida, neste tipo de empresas, generalizou-se a ideia falsa de que seria possível ser reconhecido pelo mérito. Não é verdade e esse modelo tem vindo a demonstrar-se um logro.

Mas essa é a resposta preferida dos jovens gestores que ficam em pânico perante a perspectiva da presença das mulheres poder estragar o clube de comparsas cujo pico orgásmico são umas noitadas futebolísticas ou uma prova de vinhos exorbitantes acompanhados de umas charutadas num restaurante de luxo.

Confesso que, apesar de tudo, prefiro as empresas clássicas, também maioritariamente geridas por homens mas onde se sabe com o que se conta e onde um certo cavalheirismo dos mesmos permite que o ambiente seja mais afável. Ainda que existam, de vez em quando, uns assédios chatos que as mulheres, se quiserem, conseguem contornar.

Este parágrafo é suficiente para as velhas feministas se zangarem.
Tive o meu tempo de leituras inspiradoras como os livros de Naomi Wolf, por exemplo, que me marcaram.


Em todos os casos, sempre há uma excepção que confirma a regra intransponível. 

Na velha indústria, havia uma mulher directora de uma fábrica. Nas empresas modernas, sempre a inovar, arranja-se um exemplar para adornar o grupo e responder às cotas que a Europa começa a exigir. 


O problema é que estas excepções são em geral mulheres que adoptam o comportamento mais radical dos machos mais fundamentalistas, tornando-se mais papistas que o papa. E com requintes de malvadez.

Enquanto mulher independente, que dependo só de mim e do meu trabalho, fui vivendo a evolução das mulheres ao longo destes últimos 30 anos. 

Fui educada a não ser subserviente e a pensar por mim. 

A minha geração viveu a explosão da liberdade a todos os níveis, conquistas das mulheres, aqui e no mundo. Uma liberdade incrível. Uma curiosidade imensa. A descoberta de todas as possibilidades, de todas as utopias.

Vivemos a entrada em força no mercado de trabalho em suposta igualdade de condições. Vivemos o ser mãe sem restrições trabalhando ao mesmo tempo, sem complexos. 

Não me lembro de pensar numa carreira. As coisas iam acontecendo. A trabalhar por gostar. A construir. A aprender e a fazer. 

A obsessão com a carreira vem precisamente na geração seguinte, os nascidos nos anos 70. Com a implantação em pleno do capitalismo, com as suas empresas e mercados, as suas pseudo meritocracias e outras teorias do género, que foram encurralando silenciosamente o caminho histórico percorrido pelas mulheres. 

A vivência e a memória das conquistas obtidas pelas mulheres vão-se esbatendo à medida que as gerações mais velhas são postas de parte ou desaparecem.

Por isso, há quem não se indigne com as noticias sobre empresas que exigem que as mulheres não engravidem durante 5 anos. E outras humilhações e atentados aos direitos básicos.
Isto faz saudades do feminismo e dos anos 60 em que se queimavam soutiens em protesto contra estes, considerados símbolos de opressão.

A crise e a falta de emprego não podem ser desculpas para aceitar tudo. 

2 comentários:

  1. Eu,dado a minha profissão de professora aliada à minha geração,não estou bem dento
    do assunto.
    Mas pelo que vou observando acho que,apesar de lentamente,se tem progredido alguma coisa nesse sentido.

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  2. Criou-se a ideia que a mulher é um ser frágil e que serviria apenas para procriar, essa mentalidade secular sem sido difícil de ultrapassar. Sim temos menos força mas está mais que provado que a nível intelectual somos exactamente iguais com a vantagem que temos uma apetência natural para fazer várias tarefas em simultâneo.

    Alguns passos em sentido contrário na tentativa de igualar as nossas oportunidades tem sido dados mas são uma gota de água se tivermos em atenção que até há pouco tempo éramos 7 para 1.

    Concordo quando dizes que as mulheres serão provavelmente as mais criticas das outras que conseguem indignar-se quando substituídas por imbecis pelo facto de serem mulheres.

    Cada um tem o seu lugar na sociedade os cargos de gestão e de chefia têm de ser dados pela competência e não pelo sexo.

    Mas num país de compadrio em que todos os dias as leis e a constituição são atropeladas já nada me surpreende.

    Tudo isto é muito triste.



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