Ser mãe é tramado. E fantástico.
Como li ontem, nenhuma
mãe o quer deixar de ser.
Estes dias esgotam
todas as palavras, recordam todos os poemas e oferecem todas as flores.
Esta semana, tive que
ir à FNAC do Colombo. Mal entrei, vi logo uma
banca de livros em promoção com capas cor-de-rosa e títulos que não fixei, dedicados
às mães, em geral jovens, cheios de flores, ondas do mar e sorrisos de bebés.
Arrepia-me logo. Comercialmente, continua
a dominar o conceito da mãe mulher dedicada em exclusividade
aos filhos, boa cozinheira, boa lavadeira, boa ensinadora, boa esposa, sempre bonita
e aprumada.
Li com interesse o
artigo de Tolentino Mendonça na revista do Expresso de ontem. Sobre cuidar, escolheu o exemplo do artista e fotógrafo japonês Tatsumi Orimoto. Este decidiu dedicar
a sua arte aos cuidados com a mãe, afectada por várias doenças de demência
ligadas à idade, bem como a outros idosos, dando visibilidade a um mundo onde os direitos estão cada vez mais relativizados.
Orimoto criou mesmo um
projecto chamada Art Mama, “onde reflecte sobre a maternidade, a doença, os
laços familiares e sobretudo sobre as formas de relação com a alteridade quando
o outro está como que perdido nos imperscrutáveis labirintos da dor e da
memória” (Tolentino Mendonça).
Esta foto de
Orimoto com a mãe diz tudo:
Continuo a transcrever
Tolentino porque não o saberei dizer melhor:
“A intimidade
concretizada no cuidado à mãe serve a Orimoto para desenvolver uma arte que é
profundamente crítica em relação às prioridades, aos cânones de beleza, aos
modelos de felicidade do mundo contemporâneo”.
O artigo, cujo objecto
tem a ver com uma reflexão sobre a arte enquanto decoração/mercadoria versus a arte
como levantamento de questões ligadas ao quotidiano, um reflexo de temas
triviais, que teve o seu auge no movimento Fluxus, nos anos 60 e 70 do século XX,
veio mesmo a propósito.
O amor. O ser mãe e o ser
filho. Um não existe sem o outro. Mas são diferentes na sua dimensão.
Quando se tem um
filho, nunca mais somos as mesmas, nunca mais somos livres. Nunca mais se é
apenas um. Somos dois ou três ou quantos filhos houver.
É algo incrível. Acho
que não há mais nada assim.
Não se pode sentir a
enorme felicidade de ser mãe sem a imensa dor de o ser. O medo da perda, o medo
do futuro. Pelos filhos fazemos tudo mesmo.
Houve uma altura em
que via imagens da Palestina, mães que, naquela guerra infindável, se dispunham
a fazer de bomba-suicida porque tinham perdido os filhos mortos pelo inimigo.
Aquele acto era a solução mais certa para aliviar a sua dor... Isto sempre me
impressionou.
Que faria eu, naquelas
circunstâncias?
Lembro-me imediatamente
da canção de Chico Buarque “Pedaço de mim”, “Oh, metade arrancada de mim…”
Este amor imenso não
parece igualmente retribuído pelos filhos. Pelo menos, em fases como entre a
adolescência e a idade adulta em que há um afastamento, uma vergonha social por
receber cuidados e mimos das mães.
Em que os beijos são arrancados a custo.
Parece-me que o poema
de José Luís Peixoto “Para a minha mãe” exprime na perfeição a mágoa dos
sentimentos que não se exprimem.
“mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é
suficiente.
pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.
às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.lê isto: mãe, amo-te.
eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes”.
José Luís
Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
Apesar de ambos sabermos, era bom que os nossos
filhos fossem Orimotos e mostrassem o seu afecto. Era bom que não tivessem
vergonha de o fazer. Depois, pode sempre ser tarde.
Gosto
ResponderEliminarO texto revela bem a realidade de ser mãe.
ResponderEliminarOs parágrafos do artigo do Tolentino Mendonça são interessantes.
A evocação da canção do Chico Buarque e no fim o poema do Luís Peixoto.
Bem conseguido.
Gosto. Muito.
ResponderEliminarPartilho.
gostei muito!
ResponderEliminaras palavras son muito boas quando uno / am pode disfrutar da sua mae, mais son duras quando apenas conocio, nao tuvo oportunidade...entao ¿ que es una mae ?....mia se fue quando eu tenhia 27 anos..seu recordo esta bem, mais quando uno madura e pode disfurtar de seus paes e nao están...¿ que facemos con palabras ?, touda una vida sem eles.....as veces paes tamben tenhen mostrar seu afecto por filos, porque tambem pode ser sempre tarde ( pido disculpas, intento escrevir en portugués e quesera poder aprender, mais faz que eu podo )
ResponderEliminarObrigada pelo teu comentário, Juanjo!
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