domingo, 4 de maio de 2014

Amor.

Ser mãe é tramado. E fantástico.

Como li ontem, nenhuma mãe o quer deixar de ser.

Estes dias esgotam todas as palavras, recordam todos os poemas e oferecem todas as flores.

Esta semana, tive que ir à FNAC do Colombo. Mal entrei, vi logo uma banca de livros em promoção com capas cor-de-rosa e títulos que não fixei, dedicados às mães, em geral jovens, cheios de flores, ondas do mar e sorrisos de bebés.

Arrepia-me logo. Comercialmente, continua a dominar o conceito da mãe mulher dedicada em exclusividade aos filhos, boa cozinheira, boa lavadeira, boa ensinadora, boa esposa, sempre bonita e aprumada.

Li com interesse o artigo de Tolentino Mendonça na revista do Expresso de ontem. Sobre cuidar, escolheu o exemplo do artista e fotógrafo japonês Tatsumi Orimoto. Este decidiu dedicar a sua arte aos cuidados com a mãe, afectada por várias doenças de demência ligadas à idade, bem como a outros idosos, dando visibilidade a um mundo onde os direitos estão cada vez mais relativizados.

Orimoto criou mesmo um projecto chamada Art Mama, “onde reflecte sobre a maternidade, a doença, os laços familiares e sobretudo sobre as formas de relação com a alteridade quando o outro está como que perdido nos imperscrutáveis labirintos da dor e da memória” (Tolentino Mendonça).

Esta foto de Orimoto com a mãe diz tudo:


Continuo a transcrever Tolentino porque não o saberei dizer melhor:

“A intimidade concretizada no cuidado à mãe serve a Orimoto para desenvolver uma arte que é profundamente crítica em relação às prioridades, aos cânones de beleza, aos modelos de felicidade do mundo contemporâneo”.

O artigo, cujo objecto tem a ver com uma reflexão sobre a arte enquanto decoração/mercadoria versus a arte como levantamento de questões ligadas ao quotidiano, um reflexo de temas triviais, que teve o seu auge no movimento Fluxus, nos anos 60 e 70 do século XX, veio mesmo a propósito. 

O amor. O ser mãe e o ser filho. Um não existe sem o outro. Mas são diferentes na sua dimensão.

Quando se tem um filho, nunca mais somos as mesmas, nunca mais somos livres. Nunca mais se é apenas um. Somos dois ou três ou quantos filhos houver.

É algo incrível. Acho que não há mais nada assim.

Não se pode sentir a enorme felicidade de ser mãe sem a imensa dor de o ser. O medo da perda, o medo do futuro. Pelos filhos fazemos tudo mesmo.

Houve uma altura em que via imagens da Palestina, mães que, naquela guerra infindável, se dispunham a fazer de bomba-suicida porque tinham perdido os filhos mortos pelo inimigo. Aquele acto era a solução mais certa para aliviar a sua dor... Isto sempre me impressionou.
Que faria eu, naquelas circunstâncias?

Lembro-me imediatamente da canção de Chico Buarque “Pedaço de mim”, “Oh, metade arrancada de mim…” 

Este amor imenso não parece igualmente retribuído pelos filhos. Pelo menos, em fases como entre a adolescência e a idade adulta em que há um afastamento, uma vergonha social por receber cuidados e mimos das mães.
Em que os beijos são arrancados a custo.



Parece-me que o poema de José Luís Peixoto “Para a minha mãe” exprime na perfeição a mágoa dos sentimentos que não se exprimem.

“mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses  as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste  tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te  desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,  a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia  mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não  escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que  não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não  as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes”.
José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Apesar de ambos sabermos, era bom que os nossos filhos fossem Orimotos e mostrassem o seu afecto. Era bom que não tivessem vergonha de o fazer. Depois, pode sempre ser tarde.

6 comentários:

  1. O texto revela bem a realidade de ser mãe.
    Os parágrafos do artigo do Tolentino Mendonça são interessantes.
    A evocação da canção do Chico Buarque e no fim o poema do Luís Peixoto.
    Bem conseguido.

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  2. as palavras son muito boas quando uno / am pode disfrutar da sua mae, mais son duras quando apenas conocio, nao tuvo oportunidade...entao ¿ que es una mae ?....mia se fue quando eu tenhia 27 anos..seu recordo esta bem, mais quando uno madura e pode disfurtar de seus paes e nao están...¿ que facemos con palabras ?, touda una vida sem eles.....as veces paes tamben tenhen mostrar seu afecto por filos, porque tambem pode ser sempre tarde ( pido disculpas, intento escrevir en portugués e quesera poder aprender, mais faz que eu podo )

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  3. Obrigada pelo teu comentário, Juanjo!

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