sábado, 22 de março de 2014

Poesia

Desde que me lembro de mim que gosto de poesia. 

Ainda estava na primária, fui incumbida de ir ao palco dizer a "Barca Bela" do Almeida Garrett. Treinei sem fim, "pescador da barca bela, onde vais pescar com ela, que é tão bela, ó pescador?", acho que era assim.

Cheguei a ver publicados uns poemas meus na "Folha de Domingo" um jornal de Faro de que perdi o rasto. Já não deve existir, tal como também não sei o que aconteceu aos poemas. Tipicamente, falavam de pôr-do-sol e de gaivotas.
Parecia uma jovem promissora naquele tempo.

Anos mais tarde, na adolescência, lia tudo o que apanhava na Biblioteca Municipal de Faro e o que aparecia nas livrarias. Ou seja, papelarias, era assim que se chamavam na altura os sítios onde se vendiam livros numa cidade de província, no começo dos anos setenta.

Em 1973, tinha 13 anos, comprei por 24 escudos, (deve ter sido a minha mãe) um livrinho da colecção Cadernos de Poesia das Publicações Dom Quixote, chamado "Crítica Doméstica dos Paralelepípedos" de Nuno Júdice.



Este livro tornou-se inseparável de mim. Lia alto os poemas, extremamente densos e complexos. Lembro-me que não os percebia mas a sua escrita difícil atraía-me. Tempos depois começaram a parecer menos difíceis de entender.

Este livro influenciou-me muito. Toda a minha juventude escrevi diários e poemas que tenho espalhados em cadernos vários pelas muitas caixas que habitam esta casa. 

Acho que a razão principal era que a poesia do Nuno Júdice era completamente disruptiva com aquilo que eu conhecia e aprendia na escola, os poemas autorizados pelo Estado Novo, como "Os Lusíadas" que detestava e "A Mensagem" do Fernando Pessoa que também fazia parte da lista dos odiados. Ainda hoje, não gosto.

Depois, fui crescendo e deixando de escrever poemas, claro. Quando encontro algum num caderno antigo, rio-me da ingenuidade daquelas frases e sorrio da absoluta crença na qualidade dos mesmos que tinha na época.

Esta história não será diferente da maior parte dos adolescentes daqueles anos. A poesia era uma fuga, tal como a música ou outras formas de arte.

O que mais retenho é o imenso valor dado a um pequeno livro e à influência para a vida destes episódios. O acesso a tudo e a todos do mundo www não existia, muito menos no nosso pequeno e fechado país.

Quando se comemora o Dia da Poesia, sinto-me incapaz de escolher um poema entre os tantos poetas que adoro. Sophia, Eugénio, David, Pablo, Lorca, O' Neill, Leonardo, Sena, Natália, Nuno, muitos de excelência, cuja obra fui adquirindo e cujos livros guardo sem emprestar a ninguém. 

Neste momento, estão em desordem, como se pode espreitar na foto, depois de uma antiga empregada ter limpo a estante e ter dado cabo da minha preciosa organização. Tarefa a fazer em dias que têm sido adiados.

Esta manhã, naturalmente, fui procurar o livro dos paralelepípedos do Júdice. Ufa, estava lá, fininho, metido no meio dos outros. 
Por isso, sei que é a edição é de 1973 e a fotografia da capa de António Sena, um grande artista plástico.

Para final de conversa, deixo a frase que define a colecção: 
"Cadernos de Poesia têm por objectivo desenvolver o gosto pela poesia junto do mais vasto público possível, despertando também o interesse de conhecer mais profundamente os poetas aqui apresentados". 

No meu caso, cumpriu.

2 comentários:

  1. Essa herança é da mãe.
    Sempre gostei e gosto de poesia.
    Fiz alguma quando era nova e às vezes ainda faço,mas cada vez menos.
    Revejo-me em ti...
    Alma de poeta nunca se perde quando se nasce com ela.

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  2. Os que amam a poesia, a musica a pintura, a leitura ...nem sabem a sorte que têm!

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