sábado, 7 de fevereiro de 2015

Da liberdade.


Finalmente, hoje podia caminhar. Sol e frio, bela junção para um sábado. 

Saí quase à uma. De casa até à Avenida de Roma. Apetecia-me uma omelete mista nos Frutalmeida e fazer os poucos quilómetros para lá e para cá, compensando uma semana sedentária e alguns doces a mais.

Gosto de caminhar, olhar à volta, fotografar isto e aquilo, um detalhe, um momento. 

No jardim do Campo Grande, naquela zona nova onde agora há campos de ténis e um bar, não se avistava ninguém. À sombra, o vento gelava. O sol aquecia redimindo todas as desventuras.

Fotografei umas palmeiras atacadas pelo maldito escaravelho vermelho, encandeada pelo sol a pique. 

Quando retomei o caminho, reparei num homem sentado num banco ao sol, a pele queimada, uma velha mochila ao lado, a fumar um cigarro gasto, um certo porte que me pareceu familiar. 

Confirmei ao passar por ele. O senhor não costuma estar no Museu do Oriente? Eu sou da CASA, das quartas-feiras, olá! Sim, como está? Como passou com tanto frio? Arranjei um cantinho abrigado, só às vezes é que o vento entra por lá. E veio até tão longe? Vim, passear e ouvir música (estávamos junto ao bar de apoio ao ténis e ouvia-se o som em fundo). Então até quarta!

Gostei tanto deste encontro. 
Fiquei a pensar na liberdade de quem não tem casa. Apesar do frio e da chuva e de todas as outras coisas. 

Penso nisto muitas vezes. Viver sem nada. Como na canção do Caetano, "sem lenço, sem documento". O despojamento total. Que liberdade. Ou não?

Tem-me apetecido escrever sobre liberdade. Já comecei e recomecei, desistindo sempre.
Há dias em que construo frases perfeitas quando vou no metro, que tiro notas, assento tópicos, lembro-me de querer referir isto e aquilo.

Depois, leio tanta coisa em que me revejo, bem escrita, bem dita, bem pensada, apoiada em estudos e conhecimento, que perco a vontade. O que posso acrescentar? Nada.

A liberdade faz parte de mim. Desde sempre. Desde miúda. Não sou de estar agrilhoada. Quando começo a sentir-me presa, estrebucho até me sentir livre outra vez.

É certo que não há liberdade individual sem liberdade geral. Num momento em que a liberdade sofre tantas ameaças, sinto ainda mais a sua importância.

Gosto de ter liberdade de dizer, de fazer, de decidir, de dar ou não dar contas, de vestir, de sair, de caminhar, de guiar, de partir, de ficar, de estar só ou acompanhada, de opinar, de protestar, de marimbar, de lutar, de cuidar, de escrever, de ler, de fotografar, de ser.

Faz hoje um mês que assassinos, em nome duma lei-religião contra a liberdade, entraram pelo Charlie Hebdo e mataram cartoonistas e jornalistas, indignando parte do mundo. Não todo.

Só passou um mês. Da emoção de ser Charlie à excitação de ser grego. 

Ainda há causas nesta sociedade que parece adormecida, tranquila na suposição da sua liberdade adquirida. 

Todos os dias, temos perdido um bocadinho dela, aqui e ali. Daqui a perdê-la completamente pode ser apenas meia dúzia de passos.


2 comentários:

  1. "Gosto de ter liberdade de dizer, de fazer, de decidir, de dar ou não dar contas, de vestir, de sair, de caminhar, de guiar, de partir, de ficar, de estar só ou acompanhada, de opinar, de protestar, de marimbar, de lutar, de cuidar, de escrever, de ler, de fotografar, de ser."
    Há pessoas que não compreendem este " meu lado"...e não me deixam ser LIVRE!
    Belo texto. bjnhos

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    1. Eu sei bem que tens esse lado... e dificuldade em exercê-lo. Porque não é fácil, mesmo na nossa sociedade ocidental e apesar de todo o progresso.
      Será que não o temos todos enquanto seres vivos e racionais? Só que alguns, por razões sociais e culturais, nunca terão oportunidade de o viver e sentir. Bjs

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