domingo, 21 de dezembro de 2014

A desigualdade do Natal.


A verdade é que nunca, até hoje, tinha realmente vivido a desigualdade do Natal. 
O mais próximo foi sentir compaixão pelos outros, tentar ajudar partilhando materialmente alguma coisa.

Nunca fui muito fã desta época, como sabem os mais próximos.

Por não ter religião (já passaram mais de quarenta anos sobre o tempo em que deixava os sapatinhos na chaminé e acreditava sinceramente que era o menino Jesus que deixava presentes… vivia com emoção a minha crença no menino Jesus, ainda não conhecia o pai Natal).

Por ser uma época em que as divergências familiares se colocam, discussões à mesa, depois das negociações sobre quem vai estar e o comportamento à mesa do dia 24, a fim de evitar os temas de política, sociedade, religião, ovos da galinha, ficando o ambiente estranho. Há sempre o tema do frio ou da chuva…

Por não ser a favor de sanzonais e falsos estados de bondade e dávida de quem pratica o contrário todo o ano.

Por ser sempre uma intensa época de trabalho. Durante anos e anos, a organizar festas de empresa, mais o envio das boas festas, o fecho de projectos, os orçamentos e a preparação do novo ano.

Por o Natal antecipar numa semana o fim do ano, o pior de tudo, e logo a seguir fazer anos, o meu humor ficar bera. É certo que, nos últimos anos, já vai sendo o contrário. Começo a ficar feliz por fazer anos. Quer dizer que me aguentei viva mais um ano.

No entanto, gosto de algumas coisas que estão ligadas ao Natal.

Contactar pessoas de quem já não sei há muito.

Gosto de fazer um bom jantar no dia de Natal, como manda a tradição na minha terra. Celebrar o dia 25, o nascimento de Jesus, era essa a razão. Juntar também amigos que são família, preparar a casa, a mesa, dar e receber.

No dia a seguir, existe um ar de lazer, em que tudo pode ser adiado uns dias, até para o ano.

Gosto da ressaca do Natal quando, finalmente a sós, há oportunidade de curtir os presentes e comer os restos, o perú frio, os sonhos e os outros fritos que sobraram, o bolo-rei torrado com manteiga ao pequeno-almoço, fazer uma canja com os miúdos do perú para desenjoar.

Tudo isto acontece quando há uma confortável base económica em que “o dinheiro se fez para gastar”, se dá presentes bons, não necessariamente caros, com o prazer de saber que o outro vai gostar, a cozinha está a abarrotar de coisas, não faltando nada para assegurar uma mesa farta em excessos.

Quando as circunstâncias mudam e o dinheiro está contado, cortam-se os presentes e leva-se para a mesa apenas o essencial. Nada a que não se sobreviva. 

Quantas pessoas não têm sequer a mesa?

A minha colaboração como voluntária numa organização de apoio aos sem-abrigo tem ajudado a perceber como é não ter nada, nada mesmo.

A minha situação actual, ainda assim privilegiada, pois, por enquanto, não me incluo nos quase 30% de portugueses que vivem na pobreza, implica, no entanto, cortes permanentes nos gastos e viver o mais afastada possível da sociedade de consumo.

Decidi que não darei presentes nenhuns no Natal.
Decidi que o jantar do dia 25 não vai ter mais do que o essencial. 

Não vai haver nozes, nem amendoins, nem tábua de queijos, nem doces a mais. 
Como convido amigos, vai haver bom vinho e, suspeito, que ainda vamos ter a famosa lampreia de ovos.

Uma passagem pela Baixa, Chiado ou outra zona comercial, torna tudo mais difícil. O impulso comprador ataca em força e não é nada fácil resistir. Por isso, é melhor evitar.
O que os olhos não vêem, o coração não sente, diz o ditado popular.

Sinto como tudo isto acentua ainda mais a desigualdade. E nem sequer falo dos 10% de muito ricos nem dos 10% de muito pobres. 



De facto, sem viver as situações não conseguimos mesmo senti-las. 
Há bocado, a Rosa tocou à porta, pedindo dinheiro para o azeite, acostumada que estava ao meu cabaz. Este ano, não posso, disse, sem abrir a porta, para não a olhar de frente. Mas, senhora, posso vir amanhã, respondeu ela, implorando. 
Pensei, que se lixe, sim, venha manhã.

O Natal é uma época muito dura para quem não tem. A muitos níveis.

O Natal tornou-se um imenso momento de consumo e exibição de riqueza longe dos valores que o tornaram um momento de humildade e partilha, seja ditado pela celebração do nascimento do messias, seja pela celebração do solstício de Inverno.


Por mim, acabamos com o Natal, já. 

3 comentários:

  1. Não concordo com o último parágrafo,mas como já te conheço não ligo.

    Nunca pensei que o meu humilde presépio fosse divulgado.

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  2. Que escrever depois de já teres dito tanto. A luz que me rodeia nesta altura não é suficiente para me alumiar a alma. Tal como tu tb não consigo nem por um dia ignorar o que me rodeia.

    Dá lá a garrafa de azeite à Rosa porque ainda podes.
    Quando um dia tu precisares haverá algures uma Rosa a devolver-ta.

    Feliz Natal.

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  3. Feliz Natal Krida! Com Saúde e Paz! Mts bjnhos

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