Ontem à tarde, fui ao Chiado. Nunca li o Livro do Desassossego nem o tinha apesar de muito o querer. Mas nunca aconteceu, não sei bem porquê. Na Feira do
Livro não deu para o comprar.
Só gosto da edição da Tinta da China, de capa mole. Para
mim, o grafismo, a tipo de letra, o papel e a impressão dos livros é essencial. O livro é um todo. Se o conteúdo for óptimo mas a edição / impressão for
horrenda afecta-me a leitura.
Na véspera, tinha visto uma reportagem na televisão sobre um norueguês, Christian Kjelstrup, apaixonado por Pessoa, que montou uma Livraria do Desassossego
dentro da loja Casa Portuguesa, durante uns dias, só com o Livro do Desassossego à venda. O fruto das vendas vai para um projecto de solidariedade. Na reportagem, vi o
preço, 15€. Até hoje, o valor mais baixo para este livro e logo na edição da
Tinta da China. Só até domingo. Fiz contas à vida, pensei que era esta a oportunidade para adquirir o livro.
Lá fui, a meio da tarde, directa ao alvo. De metro, claro. Gosto de andar de metro. Em Lisboa, onde moro, tenho a sorte
de ter o metro perto, logo abaixo da minha rua.
Estação terminal e
inicial. Sento-me. Gosto de observar as pessoas.
Sinto inveja de quem lê no
metro. Para mim, desde que tenho que pôr óculos para ler, torna-se complicado
porque depois, se olhar em frente, tenho que os tirar.
De modo que acabo por
me limitar a observar as pessoas, os seus comportamentos, a ouvir as conversas,
a imaginar como será a vida daquela pessoa, qual a sua ocupação, a família,
onde viverá, presumo pela estação onde sai e pelo aspecto. Acertarei? Não sei.
Esta observação dos outros sempre foi um entretenimento se estiver num local público sem ocupação. Que vem de longa
data e parece uma herança familiar.
Todos nós tínhamos
este costume. Quando, nos anos 70 da minha adolescência, eu, o meu pai e a
minha irmã, almoçávamos num restaurante, ficávamos a observar as pessoas das outras mesas. Ficávamos os três a olhar intensamente para as pessoas, sem dar
por isso. Geralmente, coincidíamos no mesmo observado. Só quando um de nós
sentia as pessoas já incomodadas perante a persistência do nosso olhar,
acordava daquele estado, despertava os outros. Quantas vezes o meu pai dizia, no seu sarcasmo humorístico, “digno de um filme de Fellini”.
Olhar intensamente
pessoas, muitas vezes nos olhos, sempre me caracterizou. Acho que pela simples
curiosidade pelo outro, de me pôr no lugar daquela pessoa. Um exercício para
momentos sem ocupação.
Ontem, quando entrei no metro do Chiado, carregada com dois sacos pesados de café, ao sentar-me, toquei
levemente nos joelhos dum senhor idoso a quem pedi desculpa. Depois, frente a frente, foi
impossível não o observar. Lembrei-me logo do meu sogro. Magro, muito branco, o
mesmo tipo de vestuário, relógio antigo no pulso feito já só pele sardenta e osso, um
rosto bonito, uma elegância mantida do passado.
Tão frente a frente, desviei o
olhar para não ser intrusiva. Quando saiu em Alvalade, o senhor disse-me
boa-tarde. Estava certa.
À volta, muitas
mulheres de cor, fortes, mais jovens ou menos jovens, mais ou menos bonitas, vestidas de cores
garridas, unhas dos pés rosa ou azul turquesa, cabelo atado em carrapito. Quase
todas de telemóvel ou smartphone na mão, teclando ou falando alto. Aliás,
como quase todas as pessoas no metro. Ontem e todos os dias.
Outros, auscultadores
nos ouvidos, centrados em si mesmos parecem não reparar em nada à volta.
Achei graça porque,
sentada ao meu lado, uma senhora dos seus sessenta e muitos, a rebentar pelas
costuras, tirou da mala um inesperado tablet e começou a ler o que presumo
seria um livro. Espreitei discretamente. Letra pequenina que vi toda turva sem
conseguir ler uma só palavra.
Também há quem leia
livros, há que ser justo. Não tanto jornais como os viajantes de outros metros, noutros países, nomeadamente Londres, o que nesta matéria conheço melhor.
Ontem, na minha ida ao
Chiado, curta, acho que demorei por lá apenas trinta minutos. Desassossego e
Nespresso. Voltei rapidamente, apesar da beleza imensa da zona, de Lisboa
azul, do rio ao longe, a marcar as nossas vidas.
Sentia-me invadida por
uma apatia nostálgica que não me é habitual. Sei porquê. Há momentos em que
temos que tomar decisões que preferíamos não tomar. E por muito fortes que nos
façamos face aos outros, ou até o sejamos realmente, uma tristeza funda não nos deixa sentir alegres.
A observação dos
outros foi uma boa terapia para os vinte minutos da viagem.
Quando saí no meu
bairro, a luz plena da tarde e o movimento da rua, aliviaram a minha letargia.
Com a ajuda dum gelado!
O mais engraçado é que
esta manhã, ao pequeno-almoço, leio um artigo de Júlio Machado Vaz sobre um estudo recente:
"Meditar, sonhar acordado ou fazer introspecção durante alguns
minutos, sem fazer mais nada, é algo difícil para a maior parte das pessoas,
conclui um estudo norte-americano. Segundo os seus autores, a mania dos ecrãs
seria disso uma consequência e não uma causa. (…) A maior parte das pessoas – a quem fora pedido para ficar
sem fazer nada, numa sala vazia ou em casa, e para pensar durante seis e quinze
minutos – declarou que a experiencia “não foi agradável e que teve dificuldades
em concentrar-se”.
Eu também tenho esse costume de observar as pessoas nos transportes e daí imaginar histórias de vidas...
ResponderEliminarSomos realmente parecidas.
também gosto...ajuda a passar o tempo!
ResponderEliminareu adoro fazer o mesmo: olha por olhar. E o mais giro é que toda a familia lá de casa gosta, também chegamos a fazer essa figura "parva" de ficarmos sentados na mesa de um CC a olharrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr, até alguém dizer (normalmente o mais pequeno): então vamos ficar aqui a olhar? Até ficávamos, mas é preciso gastar energias.
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