sábado, 5 de julho de 2014

Pessoas que não Pessoa.

Ontem à tarde, fui ao Chiado. Nunca li o Livro do Desassossego nem o tinha apesar de muito o querer. Mas nunca aconteceu, não sei bem porquê. Na Feira do Livro não deu para o comprar. 

Só gosto da edição da Tinta da China, de capa mole. Para mim, o grafismo, a tipo de letra, o papel e a impressão dos livros é essencial. O livro é um todo. Se o conteúdo for óptimo mas a edição / impressão for horrenda afecta-me a leitura.

Na véspera, tinha visto uma reportagem na televisão sobre um norueguês, Christian Kjelstrupapaixonado por Pessoa, que montou uma Livraria do Desassossego dentro da loja Casa Portuguesa, durante uns dias, só com o Livro do Desassossego à venda. O fruto das vendas vai para um projecto de solidariedade. Na reportagem, vi o preço, 15€. Até hoje, o valor mais baixo para este livro e logo na edição da Tinta da China. Só até domingo. Fiz contas à vida, pensei que  era esta a oportunidade para adquirir o livro.

Lá fui, a meio da tarde, directa ao alvo. De metro, claro. Gosto de andar de metro. Em Lisboa, onde moro, tenho a sorte de ter o metro perto, logo abaixo da minha rua.



Estação terminal e inicial. Sento-me. Gosto de observar as pessoas. 
Sinto inveja de quem lê no metro. Para mim, desde que tenho que pôr óculos para ler, torna-se complicado porque depois, se olhar em frente, tenho que os tirar. 

De modo que acabo por me limitar a observar as pessoas, os seus comportamentos, a ouvir as conversas, a imaginar como será a vida daquela pessoa, qual a sua ocupação, a família, onde viverá, presumo pela estação onde sai e pelo aspecto. Acertarei? Não sei.

Esta observação dos outros sempre foi um entretenimento se estiver num local público sem ocupação. Que vem de longa data e parece uma herança familiar.

Todos nós tínhamos este costume. Quando, nos anos 70 da minha adolescência, eu, o meu pai e a minha irmã, almoçávamos num restaurante, ficávamos a observar as pessoas das outras mesas. Ficávamos os três a olhar intensamente para as pessoas, sem dar por isso. Geralmente, coincidíamos no mesmo observado. Só quando um de nós sentia as pessoas já incomodadas perante a persistência do nosso olhar, acordava daquele estado, despertava os outros. Quantas vezes o meu pai dizia, no seu sarcasmo humorístico, “digno de um filme de Fellini”.

Olhar intensamente pessoas, muitas vezes nos olhos, sempre me caracterizou. Acho que pela simples curiosidade pelo outro, de me pôr no lugar daquela pessoa. Um exercício para momentos sem ocupação.

Ontem, quando entrei no metro do Chiado, carregada com dois sacos pesados de café, ao sentar-me, toquei levemente nos joelhos dum senhor idoso a quem pedi desculpa. Depois, frente a frente, foi impossível não o observar. Lembrei-me logo do meu sogro. Magro, muito branco, o mesmo tipo de vestuário, relógio antigo no pulso feito já só pele sardenta e osso, um rosto bonito, uma elegância mantida do passado. 
Tão frente a frente, desviei o olhar para não ser intrusiva. Quando saiu em Alvalade, o senhor disse-me boa-tarde. Estava certa.



À volta, muitas mulheres de cor, fortes, mais jovens ou menos jovens, mais ou menos bonitas, vestidas de cores garridas, unhas dos pés rosa ou azul turquesa, cabelo atado em carrapito. Quase todas de telemóvel ou smartphone na mão, teclando ou falando alto. Aliás, como quase todas as pessoas no metro. Ontem e todos os dias.

Outros, auscultadores nos ouvidos, centrados em si mesmos parecem não reparar em nada à volta.

Achei graça porque, sentada ao meu lado, uma senhora dos seus sessenta e muitos, a rebentar pelas costuras, tirou da mala um inesperado tablet e começou a ler o que presumo seria um livro. Espreitei discretamente. Letra pequenina que vi toda turva sem conseguir ler uma só palavra.

Também há quem leia livros, há que ser justo. Não tanto jornais como os viajantes de outros metros, noutros países, nomeadamente Londres, o que nesta matéria conheço melhor.

Ontem, na minha ida ao Chiado, curta, acho que demorei por lá apenas trinta minutos. Desassossego e Nespresso. Voltei rapidamente, apesar da beleza imensa da zona, de Lisboa azul, do rio ao longe, a marcar as nossas vidas.

Sentia-me invadida por uma apatia nostálgica que não me é habitual. Sei porquê. Há momentos em que temos que tomar decisões que preferíamos não tomar. E por muito fortes que nos façamos face aos outros, ou até o sejamos realmente, uma tristeza funda não nos deixa sentir alegres.

A observação dos outros foi uma boa terapia para os vinte minutos da viagem. 
Quando saí no meu bairro, a luz plena da tarde e o movimento da rua, aliviaram a minha letargia. Com a ajuda dum gelado!

O mais engraçado é que esta manhã, ao pequeno-almoço, leio um artigo de Júlio Machado Vaz sobre um estudo recente: 
"Meditar, sonhar acordado ou fazer introspecção durante alguns minutos, sem fazer mais nada, é algo difícil para a maior parte das pessoas, conclui um estudo norte-americano. Segundo os seus autores, a mania dos ecrãs seria disso uma consequência e não uma causa. (…) A maior parte das pessoas – a quem fora pedido para ficar sem fazer nada, numa sala vazia ou em casa, e para pensar durante seis e quinze minutos – declarou que a experiencia “não foi agradável e que teve dificuldades em concentrar-se”.


3 comentários:

  1. Eu também tenho esse costume de observar as pessoas nos transportes e daí imaginar histórias de vidas...
    Somos realmente parecidas.

    ResponderEliminar
  2. também gosto...ajuda a passar o tempo!

    ResponderEliminar
  3. eu adoro fazer o mesmo: olha por olhar. E o mais giro é que toda a familia lá de casa gosta, também chegamos a fazer essa figura "parva" de ficarmos sentados na mesa de um CC a olharrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr, até alguém dizer (normalmente o mais pequeno): então vamos ficar aqui a olhar? Até ficávamos, mas é preciso gastar energias.

    ResponderEliminar