sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Inverno.

Atravesso Monsanto e espanto-me com as primeiras flores de amendoeira. A lembrar as minhas origens.
Ao fundo, rio e mar estão cinzentos, reflexo das nuvens frias no céu. É Inverno.
Sinto-me com mais força. Bem estar físico em reposição depois da fragilidade em que estive. Como é fácil passarmos do bem para o mal. Num ápice. Voltar ao bem demora mais, sempre.
O dia é de memórias boas e de saudade profunda. Só morrem os que fazem falta. O pior da morte é a impossibilidade de contacto. O não ter resposta à nossa conversa. Tê-la para a parede ou ficar a moer-nos o cérebro sem alternativa.
Oiço Santana e Rio. Pedro ou Rui? Não gostando de ambos, escolho Rui, esperando que nenhum dos dois volte ao poder, nunca.
Pedro decidiu armar-se em Pedro dos lábios finos apesar dos seus não o serem. Deve ter beijado muito, importunado muitas mulheres este Pedro que o outro tem ar de não ser dotado para a coisa.
Pelo mundo, discute-se se o importunar é assédio. Depende. Se se trata de demonstração de interesse por alguém e que, sem a devida correspondência, não insiste, não é. Se esse importunar persiste e é feito em contexto de poder, passando rapidamente a imposição e ameaça, é.
Nem sempre tudo é claro nesta matéria mas acho que cada um sabe bem quando um "dar em cima" se torna outra coisa, algo ameaçador e confrangedor.
Quem, com alguma idade, e num contexto profissional, não foi nunca importunado? Por vezes, roçando o assédio? Vivi alguns episódios que podiam tornar-se nisso mas que nunca arrisquei que chegassem a esse ponto.
Nem sempre foi fácil fugir e seguir em frente porque há uma linha muito ténue entre a realidade e o que pressentimos. Essa linha faz-nos sentir, a nós mulheres, ridículas.
Ah, estou a achar que aquela atitude é o tipo a querer alguma coisa quando está só a ser cortês e a convidar para jantar? O melhor é não aceitar, certo? Falo de contexto profissional em que o ele é administrador da empresa e o eu funcionária da mesma.
Tive sorte? Talvez mas não só. Está nas nossas mãos agir logo. Há um risco? Há. Lixarem-nos a vida, a carreira. Mas também aqui, é uma opção nossa. Queremos viver uma carreira à conta disto? É o que me faz confusão nestas denúncias tardias de Hollywood.
Como diz a louca da Raquel Varela, estas actrizes não eram propriamente as operárias fabris miseráveis com um rebanho de filhos para alimentar da indústria portuguesa nos anos do Estado Novo em que o patrão não dava hipóteses.
Sobre isto, nada como ler "As mulheres da Fonte Nova" da Alice Brito e estamos falados.
Para fugir de tanta discussão, oiço David Bowie. Tudo o dia todo. Não me farto.
Partiu no mesmo dia do António, umas horas antes.

1 comentário:

  1. Gostei de ler e partilho a tua opinião em geral.
    No parágrafo dos lábios chamo-te a atenção em relação ás aparências.
    Lá diz o povo ,

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