domingo, 16 de novembro de 2014

Mudanças e andanças.


Estes dias têm sido estranhos.

Apenas porque os acontecimentos passam como se não fizessem parte da minha vida. A velocidade das coisas não deu tempo para ficar a pensar na sua essência, nos porquês e nas consequências.

Vendo bem, não pensar muito na causa das coisas tem sido uma opção para prosseguir. Sobretudo, não avaliar culpas e culpados. Para seguir em frente, como se diz agora.

O fim-de-semana marca o fim duma fase, duma história, dum percurso.

Quando, por fim, paro de labutar, fico no sofá a olhar, de pijama, manta nas pernas, jornais à volta, televisão ligada, comida uma sopa e uma maçã para cumprir função, sem entusiasmo.

Não é um dia de semana. É sábado à noite e uma amiga telefona com um simpático convite para jantar na casa dela, com outras amigas, para comer castanhas, conversar, beber um copo. Agradeci e recusei com a desculpa verdadeira do cansaço e do pijama já vestido.

Queria estar sozinha. Preciso. Há uma ingratidão nisto porque os amigos são quem nos salva nas dificuldades, nos momentos difíceis. E gosto dos amigos, dos que tenho, de saber que os tenho. Gosto do dar e receber que os verdadeiros amigos implicam.

Já recusara com dificuldade um convite para um café durante a tarde, feito quando desembrulhava copos e outras coisas trazidas da casinha para a casa e tentava arrumá-los com êxito muito duvidoso. Sozinha. Não queres ajuda? Não, obrigada.

Stacey Kent cantava demasiado bem “What a Wonderful World”.

Apetecia-me assim. Sem interrupções. Sem questionários. Mas consegues fazer tudo sozinha? Vê lá, já não tens vinte anos. Eu sei. Dói aqui e ali, quando tento puxar um vaso pesadíssimo com uma oliveira que trouxe para a entrada de casa. Mais outro com um cacto gigante e outros tantos que os homens das mudanças deixaram mais ou menos no espaço mas a que falta dar um jeito.

Não me despeço da casinha. Às oito e pouco da manhã estava lá. Abri o portão e o pátio estava ensopado, brilhava ao sol repentino depois da imensa chuva anterior. 

A casinha é agora uma vastidão de caixas num desmantelamento que não dá margem para romantismos. A salamandra já foi vendida, não tem fogo e está tapada por caixas e coisas prontas a levar.

Há humidade fria quando abro a porta. Ainda bem, de facto, rapava-se um frio do caraças naquela casa. 

Enquanto os homens carregam a chaise longue amarela, sítio de tantos sonos e leituras, juntam-se vizinhas e vizinhos em bons-dias curiosos. Ah, vão-se embora? Como se já não soubessem que as notícias correm rápidas por ali.

À noite, recostada no sofá, a consumir as enormidades avassaladoras das notícias na televisão, tenho ideias para escrever revoltas muitas com tudo o que se passa pelo país e pelo mundo. Mas falta-me a força para ir buscar um caderno e apontar as ideias, sabendo que de manhã será difícil relembra-las exactamente da forma luminosa como surgem.

Na SIC, Marques Mendes, que evito ver e ouvir porque me enerva muitíssimo, braceja e agita as mãos pequenas como todo ele, afirmando repetidamente a sua inocência no caso dos vistos dourados. A jornalista, bem, pergunta então porque não saiu da sociedade JMF se diz já não estar activa desde 2011? Sem resposta.

São todos inocentes até deixarem de ser.

Nunca pensei, em toda a minha vida, que Portugal seria um desses países cheio de corruptos que associava às ditaduras da América do Sul. Mas vejo agora como a corrupção sempre medrou como a merda.

Antes e no Estado Novo. E depois. Agora de modo mais descarado porque fomentada a impunidade. 

Os medos pequenos que fazem o dia-a-dia das pessoas comuns estão cheios da noção do poder da corrupção. Não só no numerário ganho num favor feito mas na moral perdida nesse favor. Quem aldraba pequeno, aldraba grande. A teia constrói-se.


A amargura é maior porque confirmada a cada desilusão, a cada descoberta, a cada suspeita.

Vejo uma mulher na sua sabedoria feita pelos muitos anos, responder, na rua com mais casos de legionella, que ainda não bebe água da rede. Mas pode, diz o jornalista. E pode confiar? Não. Não confia. Beberá mais tarde, quando passar o tempo que confirme por si a confiança nessa água dita boa pelas autoridades.

Até a este nível a confiança está perdida.

Tomo o pequeno-almoço, bem dormida. No céu há esperança de um dia azul e com sol. Que não se confirma. Já está cinzento.

Sinto urgência para escrever. Tomo notas dos tópicos que a noite relembrou: corrupção, ética, jidahistas, Kobane, guerra, Gaza-Palestina, Boko Harum, as raparigas raptadas e violadas que não voltaram, as mulheres que são esterilizadas na Índia, Putin que abandona o G20 sem responder e afirma que precisa de dormir (?). 
Tantos filhos da puta e maldade a denunciar…

“Uso a palavra para compor meus silêncios”, leio no poema de Manoel de Barros “O apanhador de desperdícios”. Magnífico. 


6 comentários:

  1. boa mudança, não quero que fiques triste, mas eu ainda não desmanchei as caixas todas desde a minha última :D

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  2. Bem escrito,como é costume,ao correr da pena.

    O final com um verso que diz tudo...

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  3. Que texto fantástico fechaste uma porta mas uma nova irás abrir em breve quem escreve assim merece. Boa sorte.

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  4. Krida sei o que estás a sentir...é um momento difícil da tua vida mas, sei que és forte e rápidamente o vais ultrapassar, Ganhar novas rotinas, substituir as "velhas" por outras melhores ainda...acredita o ser humano tem uma capacidade de renovação inimaginável...
    FORÇA AÍ GAROTA!!!!
    Muitos bjnhos

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  5. Acerca de (...) Queria estar sozinha. Preciso. Há uma ingratidão nisto porque os amigos são quem nos salva(...)
    Porque não se gosta de gente triste!
    Alegria é contagiosa. A tristeza também! Quem se quer arriscar a ser contagiado por tal estado de espírito? Já basta as que nascem e crescem dentro de nós!

    Tristeza embaraça! Tristeza engasga! Depois de uns aflitivos segundos a pensar no que dizer, ou sai uma daquelas frases pirosas, foleiras e batidas que ouvimos em todo o lado “deixa lá, isso passa blá blá …com o tempo… anima te vais ver que tudo se resolve…
    ou então … o silêncio! Há que mostrar animação, encorajamento, pensamento positivo!
    Tristeza dos outros transporta-nos para 2º plano!

    Como vai alguém queixar-se das suas próprias tristezas se o outro “avançou “primeiro??!!
    Competem para ver de quem é a maior desgraça!? Quem tem a tristeza maior e melhor razão para se lamentar!?

    Tristeza em público é terrível! Quem gosta de estar no café com alguém a chorar!? Ninguém repara se alguém ri à gargalhada ( a não ser que seja por inveja!) mas nada mais desperta a atenção dos outros que o choro de alguém! Sociedades tão empáticas !!
    Reality show on live!

    Tristeza estraga ambiente! Quem quer estragar o bocadinho de fim de semana que tem para se divertir com as chatices e as arrelias do outro!!?
    Vamos a arrebitar! Temos que aproveitar!

    Tristeza está “démodé”! Depressão, sim é moda! Mas tristeza é de gente que não sabe se divertir, não lê as “10 dicas “ para mudar a sua vida, para viver feliz, para …

    Pois, aqui está, quem me quiser vai ter que me aguentar triste, chateada, deprimida, chorona, arreliada, impertinente!! E tudo e tudo!
    E não se atrevam a dizer me “isso passa” “tens de te animar”!
    Depois, só depois… quando me apetecer… vou Sorrir!!

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  6. São, é isso. Estar triste não quer dizer estar deprimido. Como é difícil as pessoas entenderem isso. A mesma coisa dizem da velhice. Agora todos os idosos estão deprimidos. Acho que não. Vão apenas ficando tristes pelas perdas que se acumulam ao longo da vida, pela percepção da diminuição das faculdades, da autonomia, da solidão.
    Acho que temos que saber estar tristes e alegres, tudo a seu tempo. E os amigos, se o são, têm que o compreender.

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