sábado, 10 de dezembro de 2016

A possibilidade outonal do afastamento.

Não me lembro de viajar pelo Norte em pleno Outono, ou no quase Inverno. 

De Viana do Castelo a Freixo de Espada à Cinta, ou à Beira interior, o dourado domina, alindando os sítios mais inóspitos. Até entre os pedragulhos escuros e gelados de Almeida à Guarda, surgem carvalhos dourados a reverter a fealdade habitual da paisagem por ali.


Afastada uns dias, poucos, de Lisboa, da televisão e sem tempo para grande recolha de informação na net, pode-se ficar de repente noutro mundo onde o tempo passa devagar e a contemplação ganha espaço. 

Mesmo, na noite, o livro gostado em leitura cai das mãos perante o sono demolidor, ajudado pelo quente dos abafos. 

A banal constatação sobre o isolamento que o afastamento provoca, não mais que uma verdade de La Palice, a mim cria sempre alguma angústia. Tenho dificuldade em estar desligada. 

Detesto SPAs ou aquilo que penso serem. Locais de aborrecido sossego, cheios de música de passarinhos, velas e piscinas, onde o corpo deve ser supostamente separado do cérebro e deixar-se levar por mãos de diligentes massagens, óleos e cremes, olhos fechados e roupões turcos desadequados.

Música de passarinhos só a real que envolve as impressionantes cores deste Outono no norte, do litoral ao interior. 

Tive sorte em apanhar um céu absolutamente límpido na Serra do Marão, com neve fresca nos pontos altos, enquanto carvalhos e castanheiros amarelo-laranja rodeavam uma impressionante auto-estrada e a travessia do recém-inaugurado túnel.

Carvalhos e castanheiros, duas espécies antigas que sempre me fascinaram. Lembro-me desse fascínio durante uma caminhada pela Serra de Montesinho, a norte de Bragança. 
Por entre castanheiros gigantes, o chão estava cheio de castanhas, envoltas na sua protectora segunda casca prometendo sabores e muitos gazes.

Quando se avança pelos montes, realmente grandes, e se começa a aproximar a região do Douro, o meu cantinho preferido, mais belo não há, aí sim, tudo o resto perde importância. Não há Trump que o estrague. A guerra da Síria e os refugiados parecem impossíveis. Qualquer catástrofe distante.

O mundo é aquilo ali, a natureza na sua força plena. O domínio do homem afirmado nas encostas plantadas de vinhas, oliveiras e amendoeiras.

Desço pelo abrigado Vale da Vilariça, de Vila Flor até Moncorvo e tudo está dourado. Por fim, quando as curvas quase me vencem, surge a harmoniosa Freixo de Espada à Cinta e parte da minha vida que será para sempre.  

Não é só a paisagem, a imponência do que nos rodeia. São as pessoas, o acolhimento, a comida, o vinho, o azeite, o frio e o calor, as casas, o rio.

Gosto de lá estar, mesmo quando à noite se dá um raro apagão, se fica sem electricidade e resta meter na cama esperando a luz do amanhecer.

Mas seria capaz de ali viver todos os dias? Julgo que não. Falta-me agitação, o movimento. Talvez tudo saiba melhor por ser difícil de alcançar. Saber a pouco. Deixar saudades. Só sei que preciso voltar, de vez em quando, às "minhas" terras. 

Penso que não tenho uma mas muitas terras. Todas as que vou amando. E não consigo escolher. 

Sinto alguma culpa por gostar tanto do Norte sendo eu do sul. Nasci na cidade portuguesa mais ao sul, em frente ao mar, a poucos metros da ria Formosa. 

Regresso a Lisboa pela segunda circular e entro imediatamente no tal movimento que me parecia faltar antes. Entro também nas saudades de onde vim. Entro nos planos para o regresso ou para outras viagens. 

Só estou bem onde não estou?


2 comentários:

  1. Muito bom.Enquanto lia era como se estivesse a ver.

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  2. Maravilhoso, como tu Cat!
    Como a tua mãe diz, parece que estamos lá... Obg.
    Bjs. G :-)

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