domingo, 5 de junho de 2016

Primavera.

É agora a Primavera. Há flores por todo o lado. Tem chovido demais. Tem feito vento demais mas parece que é Primavera.

Nas ruas de Lisboa, as jacarandas florescem e deixam a sua marca roxo lilás. A cidade fica ainda mais bonita.

Lisboa é realmente bonita, pensei, dentro do eléctrico, de Belém para o Cais do Sodré, manhã cedo. Mesmo com obras por todo o lado e espaços degradados aqui e ali. Cada vez menos. 

O turismo impôs-se. É mau? Acho que não por muito que tenhamos que partilhar bairros e ruas, cantinhos outrora desconhecidos e vistas privilegiadas. Dantes só nossas.

Há alegria nessas zonas. Gente de todas as línguas e rostos, alturas e costumes a passar e a fotografar. A conversar, a mexer.

Os carteiristas andarão satisfeitos? Os lojistas certamente que sim. Finalmente, o comércio funciona a qualquer hora mesmo ao fim de semana. 

Fui caminhar um bocado à beira rio. Há carripanas para tudo. Cerveja, limonada, laranjada, cachorros, sandes, pastéis de nata e de bacalhau, vinho. Comes e bebes não faltam. 

Os tuk-tuks surgem de todos os lados, lançados e carregados de famílias de cabeça a dar a dar. Como é que ainda não rolou nenhuma, com aquela velocidade e os pisos esburacados, armadilhados pelas escorregadias linhas do eléctrico? 

Uma amiga desempregada tentou ser motorista de tuk-tuk mas desistiu depois de fazer uma descida desde a Graça, aos saltos e a imaginar uns brutamontes alemães a serem projectados e a estamparem-se lá em baixo, em Santa Apolónia. 

O pagamento era precário, muito precário. Ah, sim, o turismo cria muitos postos de trabalho. À hora, sem contrato, sem benefícios, sem rede. Tudo na feliz modernidade do "que giro"... e quando há que alimentar a família e pagar as contas?

Esquecia-me que estes trabalhos são para jovens sem "penduricalhos". Que vivem em casa dos pais ou num quarto alugado com amigos. Tão giro, bebes um copo, contas uma história, faz bom tempo, até dá para dormir ao ar livre.

A realidade é que as noites são frias e o futuro incerto. Cada vez mais incerto.

Não sou nova, nem jovem, nem velha, quer dizer, muito velha, penso. Estou tramada.
Falta-me a ousadia esperançosa de quem todo o tempo do mundo à frente para mudar e mudar até se encontrar. Mas também ainda não estou "tanto me faz que já não duro muito". Digo eu. Nunca sabemos.

Fico pelas coisas simples, já que o tempo escasseia.
O cheiro a maresia que vem do rio. As gaivotas a piar. O ar azul de Lisboa. O sol que ainda não aquece demasiado. Reclamar contra o vento que arrefece a noite.
Um jantar de amigos com conversa boa. Um abraço terno. Um beijo doce de carinho. Detalhes decisivos.


Ainda não fui à Feira do Livro. Quero ir mas tenho tido preguiça. Digo que não é obrigatório. Já houve anos em que não fui. O pior é se perco alguma coisa.

Limito-me a arrumar os livros na nova morada. Gosto de o fazer. Depois, fico a olhá-los, orgulhosa da minha capacidade organizativa. Clássicos portugueses, franceses, poesia, literatura estrangeira por autores preferidos, literatura portuguesa idem, restos, soltos, arte, sociedade, política, história. Limpei um a um. Não cabem todos, ficam os que mais gosto.

No meu sítio. Posso escolher um ao acaso e abrir numa página qualquer. Há tantos que gostava de reler. 
Já não vou ter tempo. Sempre o tempo a tramar-nos.

Vejo o céu. Pela janela entra o vento e o cheiro a maresia. Um sossego de domingo.

Quero só ficar por aqui a curtir, a rever coisas antigas, um poema, uma foto, uma história. 

Caminhando contra o vento, a Alegria, Alegria de Caetano que sempre associo ao António. Precisava de lhe falar, nada de especial, comentar a actualidade, o congresso do ps, o Marcelo, o mundo. Saber a sua opinião. É esta impossibilidade que mais dói na ausência da morte.

Fico por aqui. Oiço a Smooth porque ainda tenho os CDs encaixotados. O João Gilberto canta baixinho, consola-me.

Sinto uma certa culpa por este meu domingo de bem-estar quando o mundo vai como vai e pessoas como eu morrem no mar em procura de socorro... 

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