Esta manhã senti saudades da beira Tejo selvagem de há
mais de vinte anos quando andava sozinha de bicicleta, calmamente, a pedalar e a ver a cidade, a observar o casario e o céu.
A única preocupação de então era não apanhar com um carro
em cima, o que era pouco provável num domingo de manhã, e encontrar um caminho
por onde passar entre os contentores que impediam a proximidade com o rio.
Não havia ciclovias, apenas uma pequena faixa cobaia, estreita
e mal desenhada, junto do actual Café Inn que julgo ainda nem existia.
Esta manhã, domingo azul de temperatura amena, meti a
bicicleta no metro, direita ao Cais do Sodré, cheia de saudades de pedalar junto
ao rio e de sentir o cheiro a maresia, sem pressa nem programa.
Mal lá cheguei, percebi que a coisa seria complicada.
Logo no percurso do Cais do Sodré / Meninos do Rio até à
zona do Urban Beach, tive que me desviar várias vezes e parar para não ser
passada a ferro por grupos de ciclistas, daqueles que vestem lycra
de cores florescentes e parecem um PVP numa loja de equipamentos electrónicos
do Martim Moniz, tanta é a parafrenália que trazem em cima.
Avançam em sentido contrário, aos magotes e a grande velocidade,
a ocupar as duas faixas e ai de quem estiver à frente.
Esta manhã eram mesmo muitos, e seguidos! Arrependi-me
por ter chegado tão cedo, apesar de já passar das 11h30m.
Grupos de homens, em alegre camaradagem, claro, que regressavam certamente dum
percurso de vastos quilómetros iniciado muito cedo, o cheiro a suor e
as tshirts verdes, amarelas e rosa berrantes a anunciá-los.
Fiquei logo bera. Queria pedalar olhando à volta,
com espaço e sossego, e isso seria impossível. Teria que ir com
tanta atenção ao caminho como na condução de um carro em plena hora de ponta…
Entre a Doca do Espanhol e o Museu da
Electricidade tudo piorou ainda.
Apesar da largueza do passeio, todo o tipo de caminhantes insistiam
em seguir na faixa das bicicletas. Por muito que tilintasse, não se desviavam obrigando
a parar várias vezes para não esbarrar com as suas pernas grossas suportando os
respectivos grossos abdómen feitos de muita cervejola e bifanas nos dias de
futebol, que são todos. Não sei se adianta andarem por ali…
Para além disto, biciclavam famílias inteiras, pais e
filhos de todas as idades, patinavam outros, treinavam de um lado para o outro
umas centenas, a correr com toilettes preparadas cuidadosamente para o efeito e auscultadores no máximo e, por
fim, milhares de turistas, de mapa na mão e cabeça à roda, percorriam toda a
zona junto ao rio até atingirem os alvos finais, o Padrão dos Descobrimentos ou a Torre de Belém.
Aí, colocavam-se na imensa fila de muitos metros perante
a estranheza dos locais, como eu, que não percebemos que uma visita à Torre justifique
horas de espera a pé e sem abrigo das intempéries.
Para passar de bicicleta foi preciso tilintar, tilintar e
tilintar e, depois, pedir uma brecha para passar, quase por favor.
Só já no passeio em frente ao edifício da
Fundação Champalimaud foi possível recuperar algum sossego. Finalmente, consegui
pedalar serenamente e olhar o rio e o mar lá longe, depois do Bugio.
Resolvi sentar-me um bocadinho a saborear uma barra
calórica de chocolate e amêndoas com muito mais calorias do que as gastas no
acidentado percurso.
As gaivotas passavam tangentes espalhando cocó. O rio brilhava conforme o sol o fazia, acima, ou não.
Suspirei pensando como este era um passeio a evitar para
mim. Pedalar sem poder apreciar a vista, rio dum lado, casario do outro, com
preocupações com a condução, não me interessa. Quantas vezes, em passeios de
bicicleta pelo campo, lembrei com saudade este percurso que faço desde sempre.
O desenvolvimento não se faz só de infraestruturas. Estas
têm melhorado muito mas não a educação das pessoas. Não respeitam as ciclovias e muitos dos ciclistas não
respeitam as pessoas.
É um atropelo. Tal como não gosto da sujidade e da
vandalização visível ao longo do rio, em especial na zona do Cais do Sodré e do Urban Beach. Serão estas inevitáveis face ao crescimento brutal do turismo? Acho que não.
Esta manhã senti que aquele percurso nunca mais seria o meu. Que nunca mais seria o meu espaço solitário feliz.
é o retrato da grande cidade e das pessoas que não sabem, nem sonham, o que é civismo...
ResponderEliminara última coisa a mudar são as mentalidades...e isso ...
ResponderEliminarPelo que li acho que há perigo de te voltar a antiga embirração ao ciclismo.
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